Edição ESPECIAL 231 – Outubro de 2001

Anos 80 - Reestruturação da economia mundial reflete no setor

Incêndio destrói a plataforma de Enchova: década de 1980 é marcada também por acidentes

Arecessão econômica afetava os primeiros anos da década de 1980. A alta dos juros internacional já era resultante da crise de petróleo em 1979, e a alta dependência de petróleo (85%) do País que o deixou ainda mais vulnerável aos condicionantes externos. Essa mesma crise retardou a ampliação do setor petroquímico brasileiro, provocando o engavetamento do projeto da construção de um pólo petroquímico em Itaguaí / RJ.
Neste cenário, o governo paulista de Paulo Maluf promoveu um dos episódios mais polêmicos da sua carreira, a criação da Paulipetro. Em 1979, instituiu o consórcio com o objetivo de explorar petróleo na Bacia do Paraná e achou água – foram gastos cerca de US$ 500 milhões sem que nenhum óleo fosse descoberto.
A Paulipetro é tida como um capítulo à parte na história dos contratos de risco. Seja por pressão política ou por embasamento técnico, a campanha da empresa foi agressiva. Responsável pelo maior investimento feito durante aquele período, a Paulipetro fechou contrato para operar 27 blocos na Bacia do Paraná.
A CPRM/SP atuou na cartografia de vários blocos e na análise morfo-estrutural de semidetalhe nos estados de São Paulo e Paraná, participando também as Superintendências Regionais de Salvador e de Goiânia. Entre 1980 e 1983, a empresa perfurou 33 poços em 20 blocos. A campanha acabou resumida a uma única descoberta subcomercial, feita a partir de uma perfuração na região de Cuiabá Paulista / SP. Quando as suas atividades foram interrompidas pelo então governador Franco Montoro, a Paulipetro perfurava um poço em Rio Vorá – que depois confirmou a presença de indícios de gás.

Queda no preço do petróleo

Uma variante modificava o país nesta década e acabaria com coincidir com um momento decisivo para a indústria petrolífera: após 21 anos de regime militar, a Nova República nascia em março de 1985. O novo governo iniciou sua administração anunciando medidas de austeridade fiscal e monetária, numa perspectiva claramente ortodoxa. Como tais medidas demandariam tempo para surtir os efeitos desejados, o então Ministro da Fazenda Francisco Dornelles determinou um congelamento de preços, modificou as fórmulas de cálculo da correção monetária e das desvalorizações cambiais. No momento de implementação do Plano Cruzado a economia brasileira contava com um elevado produto industrial, um considerável superávit na balança comercial, um volume adequado nas reservas internacionais e um déficit público praticamente inexistente. Além disso, havia uma recente queda no preço internacional do petróleo e a desvalorização da moeda norte-americana frente a moedas européias e ao iene.
A persistência dos preços elevados até 1984 implicou a entrada de novos produtores e uma etapa de superprodução cujo ponto crítico foi o ano de 1986, no qual os preços caíram abaixo do patamar de US$ 10 o barril.
Imediatamente após o anúncio da nova política econômica, a inflação caiu significativamente, principalmente devido ao congelamento de produtos siderúrgicos e derivados de petróleo.
Uma recessão geral tomou conta da economia internacional por cerca de cinco anos. Países como o Brasil, que tinham dívidas em petrodólares, foram à bancarrota. O ponto positivo foi o começo da busca por fontes alternativas de energia. Em 1985, a Arábia Saudita, atingida pelo esfriamento econômico geral, aumentou a produção de petróleo e o preço do produto caiu pela metade.
Ainda no início da década de 1980, mudanças estruturais na economia norte-americana (desregulamentação) e do Reino Unido (privatização) influenciaram as transformações porque passou a economia mundial nos anos 90. Nos EUA, o governo Reagan promove a desregulamentação da economia e ao mesmo tempo eleva as taxas de juros com o intuito de conter a escalada inflacionária provocada pela mudança no patamar dos preços do petróleo ocorrida nos anos 70. Isso fez com que a moeda referencial para empréstimo internacional ficasse mais cara, o resultado foi o encarecimento das linhas de crédito internacional. Os países em desenvolvimento, principais tomadores de recursos, passaram por aquilo que se convencionou chamar “Crise da Dívida Externa”.
Esse fato provocou um desaquecimento na economia global, iniciando um movimento de queda no preço do petróleo. Além disso, há um segundo efeito sobre o preço provocado pelo surgimento de tecnologias que permitiram reduzir custos e ampliar os horizontes de produção das reservas.

Descoberta do campo de Urucu: havia petróleo comercial na Amazônia

Esse período exibiu o revés do anterior, ou seja, o “Contra-Choque do Petróleo”, que significou uma queda acentuada nos preços do petróleo, sendo o ano de 1986 o marco do período em questão. A partir de então, os preços internacionais dessa fonte primária de energia deixaram de ser administrados pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo – Opep, iniciando a chamada “Era do Consumidor”. O marco inicial dos processos de desregulamentação e privatização de empresas petrolíferas foi a venda, em 1979, no governo Thatcher, de 5% de participação na British Petroleum, uma das dez maiores empresas de petróleo do mundo, cujo processo de privatização foi concluído em 1987. Entre os principais fatores que motivaram mudanças em quase todas as empresas de petróleo – estatais, regionais ou internacionais – estão o crescimento da globalização, o declínio do poder da Opep no controle dos preços internacionais do hidrocarboneto e criação de mercados futuros de petróleo através da Bolsa de Nova York (NYMEX) e da de Londres (IPE).

Acidentes

A década de 1980 é marcada também por acidentes. Em março de 1980 a plataforma Alexander Keillan, de Ekofisk, no Mar do Norte, naufraga, deixando 123 mortos; em outubro de 1981 uma embarcação de perfuração afunda no Mar do Sul da China, matando 81 pessoas; em setembro de 1982, a Ocean Ranger, plataforma americana, tomba no Atlântico Norte, quando morrem 84 pessoas. Em fevereiro de 1984 um homem morre e dois ficam feridos durante a explosão de uma plataforma no Golfo do México, diante da costa do Texas. Também o Brasil viu a “bruxa” rondar as suas atividades em agosto de 1984, quando 37 trabalhadores morrem afogados e outros 17 ficam feridos na explosão de uma plataforma da Petrobras na Bacia de Campos.

Navios de posicionamento dinâmico na Bacia de Campos: perfuração em cotas batimétricas cada vez maiores

Quase todos os anos da década de 1980 foram marcados por acidentes – quem não lembra do incêndio que destruiu a Vila Socó, em Cubatão / SP?
Em janeiro de 1985, a explosão de uma máquina bombeadora na plataforma Glomar Ártico II, no Mar do Norte, causa a morte de um homem e ferimentos em outros dois; em julho de 1988, no pior desastre em todo o mundo relacionado a plataformas de petróleo, 167 pessoas morrem quando a Piper Alpha, da Occidental Petroleum, explode no Mar do Norte, após um vazamento de gás . Em setembro de 1988, uma refinaria da empresa francesa Total Petroleum explode e afunda na costa de Bornéu. Quatro trabalhadores morrem. O ano de 1988 registra, na verdade, vários acidentes, como o incêndio que destruiu a plataforma de Enchova, na Bacia de Campos. Setembro começa com um incêndio que destrói uma plataforma da companhia americana de perfuração Ocean Odissey, no Mar do Norte, quando morre um operário. 1989 registra também dois acidentes que merecem destaque: em maio, três pessoas ficam feridas com a explosão de uma plataforma da empresa californiana Union Oil Company. Ela operava na Enseada de Cook, no Alasca e, em novembro, a explosão de uma plataforma da Penrod Drilling, no Golfo do México, deixa 12 trabalhadores feridos.
Na indústria química, um vazamento de gás na unidade da Union Carbide em Bhopal, Índia, acelera as decisões das multinacionais em implantar a cultura de responsabilidade. Em 1983, no Canadá, surgia o Responsible Care, que no Brasil recebe o nome de Atuação Responsável.

Amazonas e Marlim

A descoberta do campo de Rio Urucu, no Amazonas, no dia 12 de outubro de 1986, respondeu a uma antiga indagação, mostrando, afinal, que havia petróleo comercial na Amazônia. Além de comercial, o óleo é de primeira, muito leve, de excelente qualidade, e flui associado ao gás natural. Para escoar esse óleo, produzido em pleno coração da Amazônia, foi necessário montar um estrutura especial, a cargo do Dtnest, numa região em que não há estradas, só rios praticamente desconhecidos até a chegada da Petrobras na região, porque não existem cidades em suas margens.
O projeto de desenvolvimento de Urucu foi condicionado, assim, pelas limitações de escoamento, conduzindo a Petrobras a fazer, na prática, a história da navegação dos rios Tefé e Urucu. A primeira fase do projeto foi concluída em julho de 1988, quando o campo entrou em produção. Cerca de 3 mil barris diários de óleo eram extraídos de três poços e processados numa pequena estação coletora. Foi construído um oleoduto de cinco quilômetros, entre essa estação e o rio Urucu. Balsas de pequeno porte levavam o óleo até a cidade de Coari, às margens do rio Solimões. Ali se realizava o transbordo, para balsas maiores, que transportavam o óleo até a Refinaria de Manaus – Reman. Nessa etapa, o gás natural produzido associado era queimado.
Em 1985, navios de posicionamento dinâmico permitiram a perfuração em cotas batimétricas cada vez maiores e logo nos primeiros poços foram descobertos os gigantes Albacora (400 a 1.000 metros) e Marlim (700 a 1.200 metros), com os turbiditos se afirmando como os principais reservatórios das bacias da Plataforma Continental Brasileira. Com a acelerada informatização da Petrobras, ganhou força a idéia de fortalecer o processamento sísmico doméstico, inclusive com a compra de supercomputadores.
Por esta época, o Pró-Álcool começa a ser questionado. O modelo energético que vinha sendo favorável – enquanto os preços de petróleo mantinham-se elevados, em razão dos choques de petróleo da década de 1970, que perduraram até o início da década de 1980, começa a ser colocado em xeque.
Quando a oferta de petróleo em todo o mundo tornou-se mais ampla e, por conseqüência, os preços do produto começaram a cair, mantendo-se até os dias atuais num nível significativamente mais baixo, deu-se a derrocada da produção alcooleira no Brasil, que foi reforçada ainda pela queda dos preços do açúcar no mercado internacional. Assim, tornou-se evidente que o Pró-Álcool foi erigido como um portentoso edifício sobre uma base frágil, pois os custos de produção envolvidos são muito elevados e os produtos oferecidos são poucos.
Os contratos de risco terminaram em outubro de 1988, permanecendo apenas os contratos em que tinham sido feitas descobertas consideradas comerciais.

Equipamentos offshore: Procap é criado visando realizar estudos para viabilizar a produção em profundidades cada vez maiores

Ecologia em alta

Já no final dos anos 80 o apelo ecológico começa a tomar conta de empresas petrolíferas e o Brasil se destaca pela Petrobras, tendo toda a sua gasolina isenta de chumbo tetraetila – composto altamente tóxico e que inviabiliza o uso de conversores catalíticos nos veículos, por causar a sua deterioração. Sentindo a necessidade de consolidar a exploração das regiões de águas profundas e ultra-profundas na Bacia de Campos e em outras bacias da costa brasileira, continuar a busca por óleos mais leves e gás, perfurando em busca de objetivos profundos, tanto na Bacia de Campos quanto no restante da margem continental brasileira, a Petrobras criou o Programa de Capacitação Tecnológica – Procap, em 1986, para realizar estudos para viabilizar a produção de petróleo em profundidades cada vez maiores pela Petrobras. É também pelo petróleo que inicia um ciclo de redução da intervenção do Estado na economia, tornando-a mais moderna e competitiva.
Avançando nesse caminho a Petrobras pulveriza no final da década de 1980 os excedentes de suas ações. O esforço de maior transparência, obtido, principalmente, através da adequação do balanço da empresa às normas contábeis norte-americanas, preparando a companhia brasileira para o lançamento de novos tipos de papéis no mercado de capitais norte-americano, a venda, através de pulverização dos papéis junto ao público, de 34% dos 85% de ações ordinárias que o governo detém na companhia marcam a entrada da Petrobrás na década de 1990.

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