Revista Petro & Química
Edição 375 • 2018

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Matéria de Capa
Digitalização das tecnologias é irreversível
 
 

Aindústria de petróleo e gás é a mais intensiva em ativos do mundo, com gastos globais chegando a US$ 3 trilhões, nos últimos cinco anos, só em upstream. Mas, em comparação com a maioria das outras indústrias, fi ca muito atrás em termos de ROA (retorno sobre os ativos): um estudo realizado pela EY mostrou que, entre 2007 e 2014, a média do ROA do setor de petróleo e gás foi de apenas 7,5%, e que é preciso aumentar o lucro líquido entre 4% e 5%, se se quiser atingir o ROA de 16%. Pode parecer muito, mas a indústria de semicondutores, por exemplo, apresentou ROA médio entre 40% e 60%, durante o mesmo período.

A boa notícia é que o momento de desaceleração dos preços de petróleo e gás coincidiu com preços baixos para hardware, conectividade sem fi o e softwares de gerenciamento – momento perfeito para a implantação de soluções de digitalização para manter a indústria competitiva e lucrativa.

 
 
Só que o tempo parece estar passando mais rápido por conta da tecnologia. Em 2013, uma palestra no TED discutiu as melhorias que podem ser feitas na indústria de energia; coisas pequenas, que geram impactos enormes. Foi dito que melhorias de um por cento em todos os ativos industriais do mundo elevariam em mais de US$ 60 bilhões os ganhos do setor de energia, em um período de 15 anos. Mas, em 2013, não se levava em consideração a Internet das Coisas (IoT) e seu impacto na indústria. Hoje, a IoT redefi ne o modo como os ativos são monitorados, atendidos e gerenciados.

Em tempo real.

As tecnologias possibilitaram disrupções em todos os setores e não apenas trazem um gêmeo digital de unidades de produção, como são capazes de fornecer análises embasadas em dados de processo e mercado – o que tornou possível elaborar estratégias robustas e fl exíveis ao mesmo tempo.
 
Victor Alves, especialista em gerenciamento do conhecimento do CICKM – Center for Innovative Collaboration and Knowledge Management, da TechnipFMC –, lembra que Transmissão de Dados e Inteligência Artifi cial não são algo novo. Começou-se a falar disso no início do século XX, com a Teoria Matemática da Informação proposta por Claude E. Shannon, em 1948, e pelo britânico Alan Turing, respectivamente. O grande boom atual desses termos se deve principalmente às três leis fundamentais que regem as t e c n o l o g i a s digitais: a lei de Moore, que diz que a capacidade de processamento dobra a cada 18 meses; a lei de Butter, a qual afi rma que a velocidade de comunicação dobra a cada 9 meses; e a lei de Kryder, na qual o aumento da capacidade de armazenagem dobra a cada 13 meses. Tudo isso faz com que haja uma melhora constante de desempenho e redução de custos dessas tecnologias.
 
No meio industrial, essa transformação tem desencadeado a chamada 4ª revolução industrial, no qual, segundo defi nição de Klaus Schwab, Executive Chairman do WEF, se refere à fusão de tecnologias que perpassam o mundo físico, digital e biológico, criando novas capacidades e impactos importantes nos sistemas políticos, sociais e econômicos. Segundo o documentário Big Data e o Poder da Informação, da Philos TV, são justamente os dados, a chave para fazer essa integração entre o mundo físico – palpável, barulhento e o caótico, que podemos tocar, vivenciar e experimentar – e os demais, transformando-o em números e tentando achar padrões matemáticos no meio da complexidade, área também estudada pela Ciência das Redes.

Mas, o que mudou para que o tema ganhasse relevância no setor de óleo e gás? Victor acredita que, principalmente, três fatores: primeiramente, a necessidade de redução de custo. Devido à baixa do barril do petróleo, as petroleiras e fornecedoras tiveram de reduzir drasticamente seus custos, já que a receita despencou. “Tentaram fazer isso de diversas formas: corte de pessoal, corte de despesas, onda de projetos de melhorias: Lean por exemplo. Quando não é possível reduzir mais custos, se deve pensar em fazer mais com menos e, nisso, a tecnologia veio pra ajudar”. Depois, o fato de que com as novas tecnologias é possível conseguir entregar mais com menos esforço e custo. “Devido ao aumento de escala dessas tecnologias, o seu custo tem reduzido drasticamente, o que aumenta a utilização da mesma, e consequentemente, o aumento da produtividade – vide utilização das impressoras 3D, por exemplo”. E, claro, a necessidade de resposta às demandas. Num mundo cada vez mais conectado, onde a comunicação é praticamente em tempo real, a velocidade das respostas deve ser da mesma forma. Com isso, as empresas se veem obrigadas a utilizar ferramentas para oferecerem essa velocidade que o mercado demanda.

“Impressão 3D, Prototipagem e Cloud Computing, por exemplo, têm contribuído para as empresas serem mais ágeis, ou seja, terem respostas mais rápidas para suas ideias e projetos. No entanto, outras já vêm ganhando espaço, e utilização de forma mais massiva, como Data Analytics, Machine Learning, Digital Twins – essas últimas três pretendem trazer ainda mais velocidade e predictibilidade para os negócios, fazendo com que as empresas sejam capazes de antecipar ou identifi - car padrões, antes perdidos no meio da imensidão de dados, dos mercados e operações”, ressalta Victor.

Ainda que o alcance da digitalização seja amplo, ele tem sido mais visível no monitoramento e nos serviços de manutenção, pois, nesse ponto, ele permite entender o desempenho de cada parte do processo, através de sensores que coletam e enviam dados em um sistema de TI, baseado em nuvem – o que aumenta a segurança, otimiza tempo de manutenção, reduz e mesmo elimina, em alguns casos, as paradas não programadas, mantém os processos dentro das especifi cações, reduzindo perdas e protegendo o meio ambiente. É bastante coisa. Vale o investimento.

Isso vinha acontecendo aos poucos e teve um boom rápido; desde o fi nal dos anos 1980, as indústrias de petróleo e gás vêm investindo em tecnologias digitais, primeiramente na prospecção, para entender o comportamento dos reservatórios. E vêm implantando tecnologias em diversas frentes, apoiada pela convergência de automação e tecnologia da informação, suportada pelo aumento vertiginoso da capacidade de arquivar e trabalhar com muitos dados, sempre em tempo real. E são muitos dados, tantos que geraram incontinente a expressão Big Data. De fato, uma única sonda de perfuração em um campo de petróleo, por exemplo, gera terabytes de dados todos os dias, porém, apenas uma fração disso vem sendo usada como base para a tomada de decisões. Peguese isso e se some à evolução das tecnologias, um mercado de apertadas especifi cações ambientais e baixos preços – que pede a redução de custos – para criar o consenso de que o setor está numa nova era, digitalizada, impulsionada pela alteração na oferta e na demanda e na mudança das necessidades e expectativas dos consumidores.

O potencial para digitalização no setor, na visão do WEF – World Economic Forum, é que ela poderia desbloquear cerca de US$ 1,6 trilhão de valor para a indústria, seus clientes e sociedade em geral. Esse valor pode aumentar para US$ 2,5 trilhões, se restrições operacionais forem relaxadas, permitindo o uso imediato de tecnologias, como a computação cognitiva. O WEF acredita que a transformação digital poderia benefi - ciar a sociedade e gerar economia de cerca de US$ 10 bilhões em produtividade, US$ 30 bilhões de redução do uso de água e US$ 430 bilhões da redução de emissões.
 
 
Mesmo com todo esse apelo econômico, em comparação com outros setores, a abordagem do setor de petróleo e gás é mais lenta – e a cautela aqui é louvável, por motivos de segurança. O custo decrescente dos sensores e o surgimento da Internet Industrial das Coisas (IIoT) aumentaram o acesso das empresas aos seus próprios dados. E tudo isso combinado, de maneiras inovadoras, levará a um novo nível de inteligência conectada às operações.
 
 
De acordo com pesquisa da Accenture (Figura), big data, analytics, IIoT, dispositivos móveis são os principais tópicos digitais para o setor. E, como os preços mais baixos do petróleo continuam a prejudicar as margens, o setor enfrenta – e impõe – pressão para melhorar sua efi ciência operacional. Adicionalmente, as despesas de capital para exploração caíram, espremendo os ativos existentes. Mas, sempre há um lado positivo: as empresas buscam tecnologias digitais para simplifi car, automatizar e otimizar as operações. A transformação digital está, portanto, baseada na aplicação de diferentes tecnologias, como robôs, drones, operações autônomas e remotas, entre outras. Os drones são o melhor exemplo de ganho de popularidade com aplicações em monitoramento e inspeção de ativos – com atenção especial para as regulações que podem prejudicar seu uso. Juntos, drones e robôs autônomos podem reduzir vários custos no upstream: 20% nos custos de perfuração e completação (somente em áreas de águas profundas), redução de 25% na inspeção e manutenção, e outros 20% em outras áreas.

A maioria dos profi ssionais do setor de petróleo e gás reconhece o valor para o negócio das tecnologias digitais, e afi rma que a maioria de seus campos será totalmente automatizada usando essas tecnologias no prazo de três a cinco anos. O setor já reconhece o risco da falta de investimento digital para a competitividade.

As empresas também estão preocupadas com os desafi os da força de trabalho e a retenção de talentos. O recrutamento é o maior desafi o nesse sentido, porque leva tempo construir a base de habilidades digitais necessárias, e a maioria das empresas acredita que ainda não tem capacidade de análise totalmente madura. Isso fi cou muito claro em um estudo da Accenture Strategy, The Talent Well Run Dry, que mostrou que a indústria de petróleo e gás poderia experimentar uma escassez de 10.000 a 40.000 profi ssionais, até 2025. O fato dessa indústria ter passado por outros momentos de transformação não ajuda, por que os desafi os estruturais e as mudanças tecnológicas dessa vez são muito diferentes, e pedem competências inteiramente novas e associadas às inovações digitais e aos novos portfólios de ativos.

Todas as empresas enfrentam uma crise profi ssional de talentos, porém, podem, geralmente, contar com recém-formados para preencher vagas. Esse não é o caso do setor de petróleo e gás. Apesar das evidências em contrário, a maioria dos jovens não considera o setor na escolha para emprego. Esse cenário aumenta a importância das tecnologias, como as utilizadas nos centros de operação remota (ROCs), que já são uma realidade e fornecem o ambiente para a combinação de técnicas que permitirão aos engenheiros otimizar as operações e evitar falhas, aproveitando algoritmos avançados para avaliar o impacto de múltiplos cenários, selecionando a melhor solução. Os ROCs, hoje, estão limitados em escopo ou capacidade, porém, no futuro, podem ser mais utilizados. Aí se insere uma questão que transpassa todos os setores: a redução do número de postos de trabalho. Segundo o WEF, baseados unicamente na análise de operações remotas, os ROCs podem reduzir o número de empregos em cerca de 30.000, porém, espera-se que essas perdas sejam compensadas em parte pela criação de 20.000 novos.

Também no setor de petróleo e gás, a automação ganha relevância, quando se trata da força de trabalho, não apenas pelo receio de que roube empregos, mas, principalmente, porque garante as operações, apesar da esperada aposentadoria de grande parte da força de trabalho – a próxima geração de trabalhadores não terá a mesma profundidade e experiência, e vai precisar de habilidades diferentes em um mundo digital. Assim, automatizar os processos e decisões pode ajudar a padronizá-los e manter, desde já, uma força de trabalho com habilidades cruzadas, e isso também minimizaria o tempo necessário para executar tarefas manuais ou mecanizadas anteriormente.

E tem mais! O compartilhamento de informações digitais e operacionais com transparência, através de blockchains e contratos inteligentes, já começam a ser testados. Blockchain é uma forma de contabilidade digital que atua como um banco de dados e uma rede, onde nenhuma máquina contém toda a informação necessária para extrair informações de uma transação. Nele, a única maneira de convencer o sistema a acreditar numa operação é ganhar o controle de mais da metade dos dispositivos na rede. Assim, quanto mais dispositivos forem executados, mais seguro.

O desenvolvimento de um campo petrolífero ou plataforma pode exigir o fornecimento de milhares de peças de centenas de fornecedores. Essa complexidade pode difi cultar o rastreamento de risco e responsabilidades, levando a complicações na troca de dados. Ao mesmo tempo, também pode ser difícil acompanhar o dinheiro que fl ui através desse enorme quadro de contratos e fornecedores, aumentando o risco de corrupção e recursos sendo desviados ilegalmente. Contratos inteligentes são programas por computador para facilitar a negociação e aplicação de acordos construídos em blockchain. Eles permitem o rastreamento em tempo real de obrigações e responsabilidades, bem como o fl uxo de dinheiro ao redor da cadeia de suprimentos, adicionando transparência para as operações de petróleo e gás.

Mas... sempre existem entraves, como as regulações, a cibersegurança, a falta de normatização, meio ambiente, cultura e habilidades. E algumas considerações são necessárias, como a necessidade de as autoridades antitruste estarem atentas a fusões e começarem a levar em consideração os ativos em dados para avaliar os impactos dos negócios.
 
 
Tudo começa nos sensores e nos sistemas de controle que agregam dados, os SCADA – Supervisory control and data acquisition –, que agregam um conjunto confi gurável de softwares e ferramentas para suportar o gerenciamento da produção. E, ainda que seu papel possa ter sido estereotipado como sendo de simples apoio à transmissão remota de dados, com maior reconhecimento da importância da automação integrada à TI, isso está mudando. Sua capacidade de aquisitar dados em locais remotos reduz a necessidade de idas de pessoal ao campo e leva a otimizações. Com menos investimentos, o planejamento mais detalhado ganhou tempo para analisar a relevância das ferramentas de automação e seu impacto no ganho de produtividade e segurança. E é possível usar um SCADA com aplicativos nativos de SDCDs – dando maior confi ança aos engenheiros que fogem de PCs e PLCs.

A disponibilização de detalhamentos diagnósticos, soluções de problemas, monitoramento de variáveis acrescidas de vibração, corrosão e outros benefícios, que o middlestream e o downstream já utilizam, chama a atenção do upstream – aquisitar todos esses dados para uma melhor visão dos processos é mais que moda, é uma necessidade, e deve estar acima de exagerados receios. E os modernos sistemas SCADA incorporaram softwares e interfaces que possibilitam trabalhar com multimarcas legadas – ou novas. Tudo projetado para ser fácil de usar.

Do ponto de vista operacional, comparado a um SDCD, um SCADA pode ser bem parecido nos controles discretos, indicações analógicas, soluções de alarme, etc. para reduzir o tempo de treinamento, ao mesmo tempo que adiciona a fl exibilidade. A atualização das habilidades dos recursos humanos vem sendo feita aos poucos. Há a consciência de que é preciso fazer algo para acompanhar a evolução das tecnologias.

“Há muito a ser feito. Acredito que falta um pouco de proatividade e autonomia do RH das organizações para de fato proporem e desenvolverem algo que atenda o negócio e as organizações. Ainda temos muitos RHs extremamente reativos, que só fazem o que o negócio pede, e, às vezes, lentamente. É necessário se atualizar com novas metodologias de gestão dos projetos para navegar nesse mundo VUCA – Volátil, Ambíguo, Complexo e Incerto –, tais como métodos ágeis, Lean Thinking, Design Thinking, etc. Pensando numa transição, seria importante termos dois tipos de RH: um explorador, focado em inovação, desenvolvendo novos projetos, processos e formas de trabalhar, e um “explotador”, que busca extrair o máximo da estrutura já existente. Acredito que, só assim, conseguiremos garantir que o RH estará sempre à frente no desenvolvimento da organização”, reflete o executivo da TechnipFMC.

O gráfico mostra a diferença entre o desenvolvimento das tecnologias e da aprendizagem/mentalidade humana. Enquanto a primeira é de crescimento exponencial, esta última é de crescimento linear. Portanto, sempre o ser humano estará patinando nesse turbulento mundo digital. “Cabe a nós – como indivíduos – e às organizações – como agentes de desenvolvimento da sociedade –, tomar ações para diminuir esse gap. A meu ver, uma das principais metodologias para viabilizar isso é a Gestão do Conhecimento Pessoal no âmbito individual e organizacional, no âmbito corporativo”, finaliza Victor.
 
 
 
 

 

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