Revista Petro & Química
Edição 374 • 2018

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Matéria de Capa
Manufatura aditiva ao extremo
 
Em parceria com o artista Eyal Gever, a MadeinSpace criou a primeira peça impressa no espaço. A escultura representa as ondas do som do riso de Naughtia Stanko, vencedor da competição #Laugh
 

Manufatura Aditiva ou Impressão 3D (tridimensional) já é uma realidade, tanto para peças de polímeros quanto de metais. A tecnologia existe há mais de 30 anos, porém, só nos anos 1990, as patentes começaram a cair e os negócios a acontecer. Voltada primeiramente para protótipos, a tecnologia já é vista como forte tendência para peças de reposição, pequenos lotes e peças especiais. Ela já é utilizada pelas automobilísticas, forças armadas de diversos países, fabricantes de peças para foguetes e jatos, e também na indústria de óleo & gás.

Alexandre Luz, Pesquisador de Ciência de Polímeros e Coordenador de Projetos da Braskem, lembra que, essencialmente, os termos manufatura aditiva e Impressão 3D são sinônimos e se referem ao processo de produção de objetos sólidos, a partir de um arquivo digital, através da adição camada a camada de material. Recentemente, o termo manufatura aditiva tem ganhado mais notoriedade em função de se colocar como uma alternativa aos processos tradicionais de produção.

A Emerson Automation Solutions, fornecedora de tecnologia (hardware e software), inaugurou, há cerca de dois anos, em Singapura, um Centro de Manufatura Aditiva, sob responsabilidade de Adam Boyle, diretor global de manufatura aditiva da Emerson, que afi rma que a terminologia nessa área ainda está evoluindo, porém, a manufatura aditiva é essencialmente sinônimo de impressão em 3D. Contudo, os termos podem ajudar a separar as tecnologias de impressão industrial mais adequadas para protótipos daquelas voltadas para a produção de pequenos volumes. O termo manufatura aditiva também vem sendo adotado como terminologia preferida pelas organizações de padrões; então, acredita que o termo impressão 3D tende a ser menos frequente no espaço industrial.

 
Usuários, fornecedores e academia já estão trabalhando com a manufatura aditiva em diversas frentes. Um levantamento do IDC estima que os gastos globais em tecnologias de impressão 3D atinjam US$ 12 bilhões, em 2018, e, apesar dos muitos obstáculos, o futuro das tecnologias de impressão em 3D no setor de óleo & gás parece brilhante – o que é corroborado por pesquisa do Gartner, que prevê que, até 2019, mais de 10% de todas as empresas de óleo e gás, incluindo fornecedores de serviços, vão incorporar aos métodos de fabricação tradicionais os de manufatura aditiva avançados. Mas é importante frisar que a nova tecnologia não substitui as técnicas de fabricação “subtrativas” existentes; é apenas mais uma alternativa à disposição – do fabricante e do usuário.
 
Ao contrário da manufatura tradicional – em que um bloco é usinado/cortado – na manufatura aditiva, um objeto é construído por fi os de polímeros ou fundido a partir de metal em pó, camada por camada, em fatias microscópicas. E existem diversos processos para realizar isso: a tecnologia FDM utiliza termoplásticos e é usada para construir geometrias complexas; a Polyjet jateia fi nas camadas de polímeros e os cura com laser UV; a estereolitografi a, também conhecida como SL ou SLA, constrói peças usando um laser UV para solidifi car resinas de fotopolímero líquidas; a sinterização a laser, também conhecida como Sinterização a Laser Seletiva, SLS ou LS, usa um laser de CO2 para aquecer e fundir pó termoplástico – é muito usada para gerar peças leves e resistentes ao calor e a produtos químicos; a sinterização a laser direta em metal (DMLS) funde metal e ligas metálicas em pó usando um laser de alta potência para produzir peças metálicas robustas.
 
 
Com a manufatura aditiva, já é possível produzir instrumentos e peças complexos e inovadores, antes impossíveis de fazer. Ainda existe a barreira do tempo, já que a manufatura aditiva tende a ser lenta – por enquanto. E rapidez é algo relativo, já que peças e mesmo alguns equipamentos podem ser “impressos” no local em horas, enquanto um processo de compra e remessa tradicional chega a levar semanas, em alguns casos. E não há desperdício, nem de polímeros, nem de pó, porque o pó metálico não utilizado pode ser fi ltrado e reutilizado – isso é especialmente importante no uso de pós de metais caros e de alta liga. Para plantas complexas, com milhares de peças de reposição diferentes em estoque, ou uma instalação remota de produção offshore, a possibilidade de fazer peças sob demanda seria benéfico.

A indústria de petróleo e gás tem aplicado a manufatura aditiva em brocas e articulações, até carcaças de bombas e trocadores de calor. Mas, o que vem orientando a atual seleção de peças “imprimíveis” na indústria é a razão “alta complexidade / baixa quantidade”, onde se concentram peças com geometrias complexas produzidas em pequenos volumes.

Já foi questionado que manter a qualidade das peças impressas seria difícil, porém, isso também está para ser resolvido: o American National Standards Institute (ANSI) estabeleceu o Additive Manufacturing Standardization Collaborative (AMSC), um órgão composto por toda a gama de interessados em todo o mundo – incluindo OEMs, governo, academia, consórcios de padrões – para criar uma avaliação das lacunas de padrões e, já no início de 2017, publicou o rascunho inicial dessa avaliação – Roteiro de padronização para manufatura aditiva, versão 1.0.
 
 
A ASME publicou um rascunho de padrão para uso experimental em manufatura aditiva, o documento Y14.46- 2017, Defi nição de Produto para Manufatura Aditiva – Minuta Padrão para Uso em Teste, que abrange defi nições de termos e características exclusivas de tecnologias de manufatura aditiva, com recomendações para sua especifi cação uniforme em produtos e documentos relacionados.

Já existem vários padrões publicados ou quase concluídos na área, como a ISO / ASTM CD 52903-2 (“Manufatura aditiva – Especifi cação padrão para manufatura aditiva baseada em extrusão de material de materiais plásticos – Parte 2: Processo – Equipamento”) – atualmente em desenvolvimento; ASTM F3187-16 (“Guia padrão para deposição de energia dirigida de metais”). O Comitê F42 da ASTM sobre Tecnologias de Manufatura Aditiva foi formado em 2009, e reúne duas vezes por ano seus cerca de 100 membros. Todos os padrões desenvolvidos pela F42 são publicados no Livro Anual das Normas da ASTM, e vão desempenhar papel importante em todos os aspectos das tecnologias de manufatura aditiva.
 
“A qualidade e performance das peças impressas ainda é um desafi o para a Manufatura Aditiva, pois, a presença de poros e vazios, ou uma fraca interação camada-a-camada, entre outros fatores, podem gerar peças com propriedades ruins. Nesse contexto, os materiais e as condições de processamento tem papel-chave para produzir peças que possam ser submetidas à condições reais de uso. Nós, da Braskem, estamos trabalhando para desenvolver materiais específi cos para os processos de Impressão 3D e, durante o desenvolvimento, utilizamos inúmeras técnicas de avaliação, como uso de microscopia para avaliar a estrutura da peça formada, testes de tração e impacto para avaliar as propriedades mecânicas, avaliações reológicas para ajustar o material ao processo, entre outros”, afi rma Alexandre Luz.
 
E já está acontecendo. O Centro de Tecnologia da Shell, em Amsterdã, está usando a tecnologia para fazer peças únicas – com o mesmo modelo de máquina que a Nasa!

“Na verdade, tivemos a impressora antes da Nasa. Para escolher uma máquina em detrimento de outra é preciso analisar o que a máquina pode imprimir e qual tecnologia ela usa. Nossa impressora a laser Concept usa sinterização seletiva a laser, que permite alto nível de detalhes. Outros critérios para selecionar uma máquina são a quantidade de lasers, tamanho de construção, qual material pode imprimir...”, comenta Jorik Kuhlmann, Líder em Impressões 3D da Shell.

Um exemplo em que a Shell está usando a tecnologia de impressão 3D para tornar mais rápido e efi ciente o projeto e a construção de equipamentos usados na produção de petróleo e gás é a bóia que contém centenas de blocos de espuma sólidos que a mantêm fl utuando na água. A equipe responsável usou uma impressora 3D conectada ao sistema de projeto de seu computador para produzir versões de plástico reduzidas de todos os componentes em apenas quatro semanas – os métodos convencionais tomariam vários meses. Peça por peça, eles construíram um protótipo funcional da bóia, simulando a estrutura externa de metal com os blocos de espuma dentro.

A tecnologia de impressão permite que a empresa crie protótipos de escala precisos em diversos materiais e testálos. De maneira geral, a empresa tem utilizado o design digital e a impressão 3D para construir protótipos mais efi cientes, que serão transformados em produtos físicos completos. “Usamos a impressão 3D para peças de reposição, especialmente se a peça necessária não for mais produzida comercialmente ou tiver um prazo de entrega longo, devido a outros motivos. Atualmente, essas tendem a ser uma solução única, e não uma prática padrão, mas nossa meta de longo prazo é digitalizar o máximo possível de nossas ações”, conta Jorik Kuhlmann.

A Shell – que mantém equipe de pesquisa e desenvolvimento há décadas – está na vanguarda das tecnologias digitais há décadas, desde o surgimento de robôs submersos, na década de 1970, até os atuais computadores de alto desempenho, que ajudam a detectar novos recursos de energia nas profundezas da superfície da Terra. A empresa está trabalhando em novas tecnologias digitais em diversas frentes, para alcançar o maior potencial para seus negócios. Uma gama de tecnologias de ponta é parte da estratégia de digitalização em todo o grupo, o que inclui: AI / Aprendizagem de Máquina, Internet das Coisas, Tecnologias Vestíveis, Realidade Virtual e Aumentada, Robótica e drones e Blockchain. “O objetivo é usar essas tecnologias para melhorar nossos principais processos de negócios, gerar valor adicional por meio de novas formas de trabalhar e desenvolver novos modelos de negócios habilitados por tecnologias digitais”, afi rma Jorik. Ainda, seguindo a GE Aviation, a divisão de petróleo e gás da GE começou, há cerca de três anos, um piloto de produção de bicos de combustível de metal para suas turbinas a gás, via impressão 3D. E a Halliburton já usa impressão 3D para produzir peças para perfuração em pequena escala.

Da petroquímica para o espaço

Uma parceria entre a Braskem e a Made in Space, empresa de impressoras 3D, está garantindo mais autonomia aos astronautas, pois, utilizando o Plástico Verde feito de cana-de-açúcar, eles podem imprimir suas peças e ferramentas durante as missões espaciais. E a primeira peça criada fora da Terra com essa tecnologia foi um conector de tubos para irrigação de vegetais gerado na Additive Manufacturing Facility (AMF), a primeira impressora 3D comercial permanentemente alocada na Estação Espacial Internacional (International Space Center – ISS). Além de fabricar a impressora com o apoio do Center of the Advancement of Science in Space, a Made in Space também foi parceira da equipe de Inovação e Tecnologia da Braskem no desenvolvimento da solução em Polietileno Verde, usada na confecção dos produtos em três dimensões – pois, além de adaptável ao equipamento, era necessário ser uma matériaprima com alto grau de fl exibilidade, resistência química e reciclabilidade.

Em março de 2016, o Plástico Verde I’m green chegou ao espaço para ser utilizado na impressora 3D instalada na Estação Espacial Internacional, facilitando o dia-a-dia dos astronautas, que poderão imprimir peças e ferramentas conforme necessitarem. Segundo a Made In Space, no futuro, cerca de 30% das peças da Estação Espacial Internacional poderão ser substituídas por produtos manufaturados na impressora 3D, em caso de defeito ou mau funcionamento.

Para Alexandre Luz, isso signifi ca mais agilidade e redução de custos, já que os astronautas poderão receber, por e-mail, o design digital dos objetos e imprimi-los, em vez de esperar semanas, ou até meses, para que sejam manufaturados na Terra e enviados por meio de foguetes. Como próximo passo, previsto para o segundo semestre de 2018, os astronautas que vivem na Estação Espacial Internacional poderão utilizar uma recicladora de objetos e embalagens plásticas que será capaz de ampliar ainda mais a autonomia e a sustentabilidade das futuras missões fora do Planeta Terra. A recicladora contribuirá para a redução dos custos das missões espaciais e para a redução do peso transportado a partir da Terra. A máquina possuirá um sistema de moagem e extrusão de plásticos, produzindo um fi lamento adequado à impressora 3D. Com acesso à recicladora, os astronautas poderão reutilizar os artigos de Polietileno Verde fabricados anteriormente na impressora 3D, além de outros materiais plásticos já existentes, como embalagens de alimentos, e, dessa forma, completar o ciclo do plástico.
 
 
“Sem dúvida a manufatura aditiva poderá ajudar a ampliar a autonomia de sites distantes dos grandes centros urbanos, como mineração, plataformas offshore e navios, passando a produzir, localmente e quando necessário, as peças que demorariam dias, e até meses, para chegar via meios atuais”, pontua Alexandre.

“Se a impressão 3D vai estar em cada site distante é difícil responder, porém, no momento, defi nitivamente não. Foi importante perceber que a impressão 3D não é tão simples quanto a impressão ‘regular’. As máquinas são grandes, delicadas e exigem um conjunto de habilidades distintas para operar. Além disso, o pós-processamento dos componentes de impressão requer uma variedade de máquinas. O que é mais provável é que tenhamos centros de impressão espalhados globalmente para imprimir ativos”, fi naliza Jorik.
 
 
 

 

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