Revista Petro & Química
Edição 370 • 2017

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Matéria de Capa
O fim dos reparos
Parada de manutenção da unidade de destilação atmosférica da Repar: tarefas realizadas em 19 dias
 
O monitoramento de equipamentos está mudando a forma de cuidar das instalações industriais e reduzindo a quantidade de paradas inesperadas. Esse novo jeito de encarar a manutenção levanta uma questão: o técnico de manutenção irá desaparecer? | Flávio Bosco
 

De uma central, engenheiros da GE Digital conseguem acompanhar o funcionamento de 52 turbomáquinas instaladas em plataformas localizadas na costa brasileira. Eles têm à disposição um sistema de monitoramento e diagnóstico que recebe, a cada minuto, informações – sobre o funcionamento de turbinas a gás, compressores centrífugos, motores elétricos e caixas de velocidades –, cruza com os padrões e mostra se algum parâmetro está fora da faixa. Através de um portal, os clientes também podem monitorar a condição de sua frota em tempo real e prevenir falhas. Graças a tecnologia, a forma de cuidar das instalações industriais está mudando. Espalhar sensores pelos equipamentos e coletar dados é apenas parte da estratégia. A outra parte consiste em analisar toda a informação para saber o momento exato de intervir. A vantagem imediata é a redução de gastos com inspeção e reparos. “As empresas hoje investem em sistemas inteligentes e monitoramento online, e os técnicos têm a noção de que usar mais a cabeça signifi ca usar menos os braços e mãos em momentos inoportunos”, ressalta o presidente da Associação Brasileira de Manutenção - Abraman, Rogério Arcuri Filho.

Não é uma empreitada simples. Prova disso é que a norma ISO 55000, destinada à gestão de ativos, já tem três anos, mas apenas uma empresa certifi cada no Brasil. A boa notícia é que ainda há muito a ganhar com a adoção de novas estratégias. A edição mais recente do Documento Nacional da Abraman, publicada em 2015, apontou que a manutenção preditiva (aquela baseada nas informações coletadas da operação) representa apenas 15% das atividades de manutenção no setor petroquímico – no setor de petróleo ocupa ainda menos espaço: 5%. A manutenção preventiva (feita em tempos pré-determinados) já responde por 38% dos trabalhos – ou 32% na indústria do petróleo – mas ainda está atrás da velha manutenção corretiva, que representa 41% das atividades. Entre as empresas de mineração e siderurgia, a manutenção preditiva constitui 56% das atividades.

Parte do desafi o é usar o que já está disponível – outro dado revelado pelo Documento Nacional foi a idade média do parque instalado: 23 anos. Mas a sua modernização, por ora, não está nos planos. Manter essas instalações não custa pouco – o orçamento de manutenção de uma refi naria média chega a US$ 21,5 milhões por ano. As unidades de melhor performance, por exemplo, gastam de US$ 7 a US$ 11 para cada mil barris de capacidade de destilação equivalente. Para chegar a esse Maintenance Índex, a consultoria Solomon Associates soma todos os gastos com manutenção de rotina com o que uma parada geral representa em um ano e divide pela capacidade de destilação equivalente (que é presumida de acordo com a complexidade da refi naria). Em uma central petroquímica, as atividades de manutenção consomem de US$ 20 a US$ 25 por tonelada de etileno produzido – o que chega a representar pouco mais de 5% do faturamento das indústrias do setor no Brasil.

 
 
Outro índice estimado pela Solomon é o chamado RAM Effectiveness – a efetividade entre a disponibilidade da planta e os gastos com manutenção. Para uma unidade operacional a média atualmente está em 4,57% do custo de reposição da planta – o plant replacement value é o valor que seria necessário para substituir todos os ativos de uma planta, estimado em US$ 263 milhões para refinarias e petroquímicas.

O consultor Jeff Dudley ressalta que cada aumento de 1% na disponibilidade mecânica pode se traduzir em uma redução de 10% no custo de manutenção. “Mas isso só vale para as empresas que melhoraram sua disponibilidade mecânica acima de 95% e centraram foco na confi abilidade e não nos custos”. Atualmente a disponibilidade mecânica média de 140 refi narias e petroquímicas acompanhadas pela Solomon está em 94,1%.
 
 
É a escolha entre ter uma cultura de confi abilidade de longo prazo ou focar na geração de lucro no curto prazo. Em cada opção há prós e contras e qualquer erro tem a capacidade de tirar a empresa do competitivo mercado global. A tarefa fi ca ainda mais complicada quando a pressão está do lado das receitas. “Em um ambiente de mercado aberto e competição, o preço do produto determina todos os custos de produção. Isso representou uma mudança drástica nos orçamentos da manutenção”, destaca o diretor comercial da Manserv, Ivan Cosenza.

A preocupação com o orçamento em tempos de escassez de recursos foi tema de uma das mesas redondas do último congresso de manutenção e gestão de ativos, organizado pela Abraman no fi nal do ano passado. Dela, a conclusão que a ótima gestão dos custos depende de um planejamento bem feito. E que vale mais a pena prevenir do que remediar. Por anos, a cultura da manutenção se baseou em uma premissa de que o equipamento falharia.
 
 
A contabilidade dos gastos com a substituição do equipamento, o tempo e o dinheiro perdido com a planta parada e até de questões relacionadas à segurança operacional foi o principal impulso às técnicas que têm capacidade de reduzir períodos de parada não planejada. Manter as condições operacionais dentro dos limites é uma das categorias. Isso reduz o desgaste dos equipamentos e os gastos com reparos. Cosenza, um dos participantes da mesa redonda, ressalta que não há como reduzir custos sem um bom planejamento e sem gestão das perdas – vazamentos, de combustíveis ou de água tratada, é algo às vezes negligenciado pelos gestores. Há também o tempo ocioso do operador, aguardando equipamento ou liberação da área.

Usar de maneira mais inteligente as informações é também uma forma de adequar o orçamento. Esses dados ajudam a apontar de forma clara as principais carências e medir seu desempenho. A última parada da Unidade de Destilação Atmosférica da Refinaria Getúlio Vargas - Repar foi feita em 19 dias – quase metade do tempo gasto em uma operação similar. O ganho é resultado direto da adoção da análise estatística de falhas. Com máquinas assumindo cada vez mais atividades até então exclusivas dos seres humanos, a rotina da manutenção muda profundamente.

Resta a pergunta: o técnico de manutenção irá desaparecer? Ninguém se arrisca a prever quando não haverá mais trabalhadores se deslocando pela planta para reparar um equipamento quebrado. É certo que, com o avanço da automação, muitas atividades serão superadas. Softwares já desempenham automaticamente a confi guração de instrumentos, e podem até dirigir um carro. Mas também é certo afi rmar que outras habilidades ganharão mais importância – principalmente aquelas ligadas a capacidade de interpretar dados e solucionar problemas. Há quem aposte numa complementariedade entre máquinas e seres humanos – seja com a maior adoção de sistemas para gerenciamento de ativos, seja com os wearable devices, aqueles dispositivos que podem fazer parte do uniforme do técnico.

“O paradigma segundo o qual o técnico de manutenção só atua quando há algo para consertar praticamente não existe mais. Enquanto houver produção, o técnico será necessário, mesmo que seja para dar manutenção nos robôs”, ressalta Rogério Arcuri Filho. Nesse tema, a única certeza é que o técnico de manutenção terá que se adaptar aos novos tempos.
 
 
 
 
 


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