Revista Petro & Química
Edição 369 • 2016

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Matéria de Capa
Esforço em dobro
Complexo Químico da Basf em Guaratinguetá: empresa implantou projeto para avaliar melhorias nas práticas para a gestão de energia
 
Mesmo reduzindo as emissões de gases de efeito estufa, indústrias terão que se adaptar às mudanças do clima – ou terão problemas com o suprimento de recursos ¦ Flávio Bosco
 

Quando um ciclone extratropical atinge a costa do Rio Grande do Sul, os navios que trazem matéria-prima petroquímica não conseguem atracar nas monobóias do terminal de Tramandaí. E esses fenômenos tornaram-se comuns naquela região. No litoral alagoano, o risco reside no aumento do nível do mar, que deve subir 1,3 metros por volta de 2030. A escassez hídrica, bem conhecida das indústrias instaladas na região Sudeste – que dois anos atrás tiveram que desligar equipamentos por falta de água – ainda é uma ameaça. E sem água, a geração de energia elétrica também fica comprometida. A primeira conclusão que se pode tirar desses relatos parece obvia: o aquecimento global pode impactar a atividade industrial. A outra é que as indústrias terão que se adaptar a esses extremos climáticos, sob o risco de verem sua produção se tornar inviável.

“As ações de adaptação exigem engajamento, acordos e parcerias com outros públicos. No Sul, podemos instalar sistemas para monitorar o risco de furacões. Em Alagoas temos que articular com outros agentes, porque o aumento do nível do mar vai impactar toda a sociedade”, afirma o coordenador Coorporativo de Desenvolvimento Sustentável da Braskem, Luiz Carlos Xavier.

Com o mapeamento desses impactos, a Braskem já desenhou seu plano de adaptação. Ele antecipa, por exemplo, que antes de 2040 será necessário garantir uma nova fonte de abastecimento de água para uma de suas unidades na Bahia. “Sabemos quais os riscos que cada planta está exposta e como esse risco está migrando. Dessa forma, temos material para cada planta fazer o planejamento e focar as suas ações naqueles riscos que, de fato, impactam as suas operações”, explica Luiz Carlos.

O aumento na temperatura do planeta Terra ameaça elevar a temperatura e o nível do mar e causar secas mais intensas e desregular os padrões de chuvas. Isso significa que os esforços das empresas não podem ficar restritos à reduzir as emissões dos gases de efeito estufa. A expectativa é que o Acordo de Paris, em vigor desde 4 de novembro, seja um freio ao aquecimento global. 114 países, que respondem por mais de 70% das emissões de gases de efeito estufa, concordaram em desacelerar o aquecimento do planeta. O Brasil se comprometeu a emitir 37% menos gases em 2025 do que emitia em 2005, e reduzir mais seis pontos até 2030, com o aumento das fontes renováveis na matriz energética e a adoção de medidas de eficiência energética. O problema é que, sozinho, o Acordo não tem fôlego para resolver a crise climática. Sua meta é limitar o aumento da temperatura global a 1,5ºC até o final do século, em relação ao período pré-industrial. Mas o 5º Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas - IPCC já antecipou os impactos, a adaptação e a vulnerabilidade das alterações do clima. Em vez de eliminar os impactos climáticos, aquela meta só iria reduzi-los.

Carbono em xeque

Suprir a demanda de energia, por si só, já é um grande desafio – mas também uma oportunidade. Apenas nas plataformas de produção de petróleo e gás, o professor Alexandre Szklo, da Coppe/UFRJ, estima ser possível abater 106 milhões de toneladas de CO2 até 2030. Seu cálculo considera a adoção de membranas, já utilizadas para separar o CO2 que está associado ao gás natural nos campos do pré-sal, o controle de emissões fugitivas, o aproveitamento de gás via GTL e a utilização de ciclo rankine orgânico - ORC para aproveitamento de calor residual de turbina a gás. Nesse caso específico, o investimento seria traduzido rapidamente no aumento da receita com a maior produção de gás natural. Sem esses sistemas de remoção, a alternativa é reinjetar o gás – porque o alto teor de CO2 presente no gás natural provoca a formação de clatrato nos gasodutos, limitando o transporte. “Quando consideramos a venda de gás natural, passamos a ter uma receita que se tornou viável no momento em que o CO2 foi capturado”, destaca o professor.

Nas refinarias, o potencial de abatimento não é tão grande – 7,6 milhões de toneladas – e tem custos mais expressivos. A instalação de uma unidade de captura de CO2 em um regenerador do FCC ou no sistema de geração de hidrogênio custa cerca de US$ 74 por tonelada de CO2. Ainda assim, nem todas as refinarias têm espaço físico para abrigar uma nova unidade.

O ponto focal, no entanto, será a transformação na mobilidade urbana. De acordo com um estudo produzido por especialistas da ERM e da Universidade de São Paulo, para atingir as contribuições nacionais determinadas pretendidas - INDC, o setor de petróleo no Brasil não poderá abrir mão dos biocombustíveis e de tecnologias de captura e armazenamento de CO2. “O Escopo 3 (classificação do GHG Protocol para a categoria de bens vendidos) é o que apresenta maior representatividade nas emissões brasileiras, portanto deve ser alvo de maior investimentos e estudos visando a redução de emissões. Isso pode acontecer de maneira mais notável através da diversificação da cesta de produtos, priorizando aqueles renováveis ou com teores de carbono menos intensivos. Para o Escopo 1 (emissões diretas de gases de efeito estufa) podemos citar a redução do gás de tocha, eficiência energética, integração entre plataformas e cogeração ou trigeração como opções. Para o Escopo 2 (emissões decorrentes da aquisição de energia elétrica e térmica) temos a opção de fornecimento de eletricidade com fontes renováveis e a aquisição de vapor de fornecedores que se apresentem mais eficientes”, explica o consultor da ERM, Calvin Iost, um dos autores do estudo.

Dependendo de como traçar sua estratégia de adaptação, a indústria de petróleo e gás pode ser protagonista – ou ficar à margem – da transição para uma economia de baixo carbono.

 
 
 
 
 


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