Revista Petro & Química
Edição 367 • 2016

Clique na capa da revista para ler a edição na íntegra
Sob controle
 
Gestão de ativos aumenta disponibilidade de unidades fabris – e mantém atividade de fornecedores diante da escassez de novos projetos
 

A vida útil média de um tambor de coque – equipamento da unidade que processa as frações residuais do refi no de petróleo – gira em torno de 20 anos. Sua substituição é uma operação trabalhosa e cara. Há nove anos a Petrobras teve que trocar o tambor de uma unidade de coqueamento da Refi - naria Presidente Bernardes. A operação levou 30 dias e custou R$ 15 milhões. A companhia teria gasto o mesmo na Reduc e na Regap se seus pesquisadores não tivessem utilizado uma técnica de soldagem para recompor a estrutura do equipamento. Com a solda overlay, o desgaste e as deformações do tambor foram corrigidos com depósitos de solda. Descrita assim, a operação até parece simples. Mas exige cálculos complexos.

“Ao invés de substituir o equipamento, aplicamos um determinado revestimento para estender sua vida útil. Tem alguns exemplos dessa natureza. Estamos, o tempo todo, olhando o ciclo de vida do ativo, desde o início da operação até o momento em que ele é desativado por fi m de vida útil”, conta o gerente de Tecnologia de Manutenção da Área de Refi no da Petrobras, Henrique Ventura.

Na ponta do lápis, vale mais a pena prevenir a quebra do que reparar um equipamento – desde que esse aforismo foi adotado pelos departamentos de manutenção, as empresas passaram a investir mais em gestão dos ativos. E essa gestão pode impactar positivamente na disponibilidade de equipamentos e, por consequência, no resultado operacional das unidades fabris.

30 anos atrás uma unidade de craqueamento catalítico operava por dois anos – no máximo dois anos e meio. Hoje uma unidade opera por cinco anos. “Houve um grande avanço nos materiais, principalmente dos refratários. Investiu-se muito, de modo a tornar o hardware mais robusto. E, com o avanço da instrumentação e da automação, as unidades hoje são muito mais monitoradas do que no passado, o que permite operar totalmente dentro dos parâmetros em que foram projetadas”, explica Ventura.

Cada uma dessas evoluções foi útil – separadas, elas pouco teriam a contribuir para esse salto. Não basta ser construído com materiais mais resistentes às altas temperaturas e pressões. O equipamento deve ser operado dentro dos limites em que foi projetado. Fora dessa faixa, ele se degrada mais rapidamente. Mas não basta monitorar apenas a operação. O próprio equipamento também tem que ser monitorado – com sensores de pressão, temperatura e vibração e um potente sistema que processe todas as informações. É a partir dessas informações que é possível estender o tempo de operação de uma unidade mantendo controle sobre os riscos.

Há 30 anos não era tão fácil fazer esse tipo de manutenção preditiva – que prediz o tempo de vida útil das máquinas e equipamentos. Por estatística, os técnicos interrompiam a operação para fazer a manutenção preventiva – aquela intervenção programada antes da data provável de uma falha. O maior desafi o era acertar o prazo certo dessa intervenção.

Uma pesquisa realizada pela DNV GL com mais de 900 profi ssionais do setor de petróleo e gás colocou a tecnologia de sensores, a automação e operação remota entre as que poderiam ter o maior impacto. “Big data and analytics” e “internet of things /smart technology” aparecem apenas em quinto lugar, juntamente com recuperação avançada.

Um aplicativo do sistema de gerenciamento de ativos já auxiliou os técnicos da Braskem na decisão entre retirar uma válvula para manutenção ou fazer os reparos sem removê-la. A mesma ferramenta também permitiu reduzir as perdas de matéria prima na fábrica de polipropileno de Paulínia / SP, após identifi car um desvio de curso em uma válvula de alívio. O sistema de gerenciamento de ativos está conectado com 470 instrumentos e 19 equipamentos rotativos com monitoramento de vibração e deslocamento relativo. Técnicos da Área de Automação utilizam as informações para confi guração e parametrização de instrumentos e backup de confi gurações. As Áreas de Operação, Manutenção e Planejamento utilizam os relatórios para defi nir prioridades e ações para tratamento dos alertas. O sistema de gerenciamento de ativos instalado na unidade de Paulínia é considerado modelo dentro da empresa.

Para elevar as unidades localizadas no polo do ABC / SP ao mesmo patamar, as equipes de Confi abilidade têm como tarefa defi nir um padrão de confi guração para os instrumentos de campo e as equipes de Automação introduzir os parâmetros ao sistema. “Se pegarmos um instrumento utilizado há 20 anos, a folha de dados traz basicamente informações do processo e outros dados específi cos. Hoje, além dessas informações, há pelo menos mais 17 páginas com parâmetros”, observa o coordenador da área de Automação das Unidades de Polímeros da região Sudeste, Rogério Maesi.

Pit stop

É também por uma conjunção de tecnologias que uma parada programada de manutenção de uma unidade de craqueamento catalítico (unidade com foco na geração de gasolina) consegue ser realizada em 35 dias – há três décadas, essa mesma parada de manutenção não era feita em menos de 45 dias. As modernas máquinas para elevação de carga e elevadores industriais trazem ganhos de produtividade, o uso de ar condicionado para refrigerar o interior dos equipamentos reduz o stress térmico dos operários, e as ferramentas pneumáticas e hidráulicas agilizam a abertura e fechamento de fl anges. “A mecanização das atividades de manutenção nos ajuda a melhorar a produtividade e as questões de segurança. Há 30 anos, era comum convivermos com 20 a 25 acidentes envolvendo 3 mil pessoas. Hoje trabalhamos com 1,5 mil a 2 mil pessoas e passamos várias paradas sem nenhum acidente”, destaca o gerente da Petrobras.

Em outubro, a Braskem fará uma parada de manutenção em um dos trens da unidade de insumos básicos de Camaçari / BA. Pela primeira vez será utilizada uma técnica para a limpeza de feixes de trocadores com ultrassom. Imersas em um tanque com transdutores ultrassônicos e uma solução química, as peças são limpas pela ação mecânica da implosão de microbolhas induzidas pela aplicação do ultrassom. A limpeza convencional é feita com hidrojato de alta pressão. O uso do ultrassom, além de melhorar a qualidade, reduz o tempo gasto e a exposição das pessoas a riscos.

A empresa já experimentou outras inovações na parada de manutenção da unidade de insumos básicos de Triunfo / RS, há dois anos – o uso de gruas de cargas fi xas no lugar de guindastes móveis reduziu o custo global dos equipamentos e o tempo para preparação de movimentação, e o saca-feixe autopropelido, que combina as funções de saca-feixe, máquina de carga para remoção do feixe de trocadores e caminhão para transporte do feixe para área de hidrojato, agilizou as tarefas. Outras duas ganharam a simpatia dos técnicos de manutenção da Braskem, e são utilizadas não só nas paradas, mas também em serviços rotineiros – é o caso da inspeção de equipamentos com câmera PTZ (uma câmera especial de alta resolução que alcança áreas inacessíveis de equipamentos e viabiliza inspeções não intrusivas) e o uso de hidrojato com cabeçote rotativo 3D, conhecido como bailarina, para limpeza de torres sem que seja necessário desmontar as bandejas.

Avanços também são possíveis com mudanças na forma de contratar os serviços – para esta parada, por exemplo, a Braskem comprou um lote de tubos para trocadores de calor que necessitam ser substituídos. Os feixes retirados serão recuperados fora do período da parada, distante das pressões, reduzindo os gastos. A contratação dos serviços de caldeiraria foi dividida por sistema operacional – no formato tradicional, os serviços eram contratados para cada tipo de equipamento. Com isso, além de reduzir os tempos perdidos em deslocamentos de equipes para regiões mais distantes da planta, a conclusão dos serviços em um sistema operacional evita atrasos na liberação para a operação – antes, os sistemas só eram liberados quando todas as prestadoras de serviço concluíam as tarefas. Os serviços foram divididos em pacotes menores, priorizando as empresas com contratos da rotina. “Essa prática leva a melhor controle e qualidade dos serviços e menores custos, devido à redução da necessidade de mobilização”, destaca o engenheiro sênior de manutenção da Braskem, Carlos Henrique Schulz.

A Braskem não divulga o gasto exato da parada de manutenção na unidade de Camaçari. O montante está calculado na categoria de investimentos operacionais – que inclui manutenção, produtividade, SSMA, paradas e efi ciência operacional, e este ano soma R$ 1.595 milhões. No ano passado, sem parada de manutenção, a empresa gastou R$ 960 milhões. O orçamento anual das 13 refi narias da Petrobras gira em torno de R$ 2 bilhões – aproximadamente metade desse valor é gasto com as paradas, R$ 700 milhões com rotinas de manutenção e R$ 350 milhões com melhorias operacionais.

Foco na manutenção

Diante da retração de investimentos em novos projetos, as atenções dos fornecedores de equipamentos têm se voltado à demanda por serviços de manutenção e integridade. O diretor geral da Ashcroft no Brasil, Mario Filippetti, viu um aumento nas vendas de produtos para reposição. A empresa, que produz instrumentos para medição de pressão, desenvolveu um sistema para manutenção de instrumentos que reduz os custos em aproximadamente 50% em comparação com os sistemas convencionais. Esse sistema foi desenvolvido pela Ashcroft em parceria com uma dezena de empresas – duas delas brasileiras, do setor petroquímico. “O indicador mais contundente é a redução de consumo anual de instrumentação nas empresas brasileiras, que em uma planta petroquímica chegou a cinco vezes desde que foi implementado, e a dez vezes na outra empresa”, afi rma Filippetti. Durante a conferência para usuários brasileiros, a National Instruments apresentou a nova versão do software InsightCM Enterprise, solução que ajuda a lidar com a variedade de sensores, os requisitos de velocidade das medições e o grande volumes de dados analógicos.

A fabricante de válvulas YGB destacou uma equipe de engenheiros de aplicação para atender a demanda por serviços. A empresa notou que, em função de pouca verba liberada para aquisições de válvulas novas, as indústrias optam por recuperar as válvulas em operação. “Temos um produto consolidado de mais de 25 anos, em várias aplicações com excelente performance. E isto tem feito da YGB uma empresa de customização de soluções”, conta o gestor de Execução da YGB, Marcos Cesar Benfatti.

“Apesar da crise atual no que se refere a novos empreendimentos, as plantas industriais existentes precisam ser mantidas e cuidadas de forma a poderem produzir com qualidade e segurança”, completa o presidente da Presys, Vinicius Nunes. A empresa produz equipamentos e software para calibração de instrumentos, desenvolvidos com funções automatizadas para a aquisição de dados – um dos destaques para o segmento é a PSV Station, uma estação de teste e calibração de válvulas de segurança que realiza os testes automáticos suportados por software que fazem a aquisição dos dados e emitem o certifi cado de forma integrada, evitando erros de digitação. Agora a Presys está desenvolvendo sistema de calibração que utiliza conceitos de visão artifi cial para reduzir o tempo dos serviços e aumentar a confi abilidade.

Em operação, o desgaste dos equipamentos é inevitável. Pela legislação, a cada seis anos as unidades industriais precisam parar a operação, desmontar tudo, limpar, trocar o que for preciso e montar novamente. Esse trabalho começa a ser planejado dois anos antes, com a defi nição dos serviços. Carlos Henrique Schulz, da Braskem, lembra que a revisão da norma NR-13 – que trata de gestão da integridade estrutural de caldeiras, vasos de pressão e agora tubulações de interligação – publicada há dois anos, eliminou a necessidade de teste de pressão periódico – hoje eles só são feitos quando há reparos executados ou quando são recomendados pelo Profi ssional Habilitado. E ainda modifi cou algumas responsabilidades e atribuições dos Profi ssionais Habilitados – uma das consequências foi abrir a possibilidade de determinação de ensaios alternativos, como a utilização da câmera PTZ para realização de inspeção de alguns equipamentos.

As estatísticas tabuladas pela Associação Brasileira de Manutenção – que englobam outras indústrias além da petroquímica – apontam um grande espaço para os métodos preditivos. A disponibilidade do parque fabril é de 88,7%. Do tempo em que elas estão paradas, 6,32% acontece por manutenção e 5% por outros fatores. O Documento Nacional, elaborado pela entidade, também mostra que a idade média dos equipamentos é de 19,7 anos.

Os engenheiros de manutenção costumam usar a fi gura de uma banheira para apontar as taxas de falhas durante a vida útil de um equipamento: o maior número delas se concentra no início e no fi m da vida. O desafi o é aumentar o tamanho dessa banheira, ou seja, estender o intervalo entre o início e o fi m da vida do equipamento. “Se não fosse o homem da manutenção, a curva da banheira nem existiria, porque em pouco tempo o equipamento começaria a degradar”, fi naliza Ventura, da Petrobras.

 
 
 
 


Todos os direitos reservados a Valete Editora Técnica Comercial Ltda. Tel.: (11) 2292-1838