Edição 359 • 2014

A química da sustentabilidade
 

Questões ambientais e sociais ganham peso em estratégias empresariais. E esgotamento dos recursos naturais exige que indústria adote um modelo de crescimento desacoplado da pegada ambiental Flávio Bosco

A lista das preocupações da indústria petroquímica encerra 2014 com uma nova classificação: o suprimento de água subiu algumas posições. A baixa vazão do rio Atibaia tem obrigado a Rhodia a interromper a produção nas fábricas de intermediários e poliamida em Paulínia / SP. A queda no nível dos reservatórios também comprometeu a geração de energia em usinas hidrelétricas. Não é preciso uma análise profunda para concluir que o esgotamento dos recursos naturais não pode ser negligenciado – e que também não é possível ir muito longe mantendo um modelo de produção vinculado ao aumento do consumo desses recursos. Mas a solução parece ser um pouco mais complexa: como traduzir em ações as estratégias de sustentabilidade?

A experiência das organizações consideradas modelo aponta melhores resultados quando a proatividade prevalece sobre a formalidade dos regulamentos. E a mobilização de funcionários e fornecedores em torno de uma agenda desempenha papel essencial para o sucesso das estratégias. “Ter o mesmo valor comum é uma incrível oportunidade para reunir as pessoas em busca de soluções. A colaboração é o ingrediente básico para buscar os melhores resultados”, avalia o diretor global da DuPont Sustainable Solutions, Davide Vassallo.

A situação enfrentada pela Rhodia e o volume de projetos de reuso de água – que dobrou nos últimos quatro anos – exemplificam bem o peso que as questões ambientais e sociais têm sobre esse setor. Um levantamento elaborado em 2010 pela consultoria ERM com 190 maiores projetos da indústria de petróleo dá uma medida bem adequada desse impacto: 73% dos atrasos e estouros no orçamento desses projetos têm como causa questões não-técnicas – que inclui questões ambientais, sociais e regulatórias.

Outros levantamentos ajudam a compreender o valor da sustentabilidade para os diferentes stakeholders. A última edição da pesquisa Sustainability’s Strategic Worth, realizada pela consultoria McKinsey, mostra que entre 3.344 executivos de várias partes do mundo, 64% afirmaram estar reduzindo o uso da energia em suas operações, 63% afirmaram diminuir os resíduos e 59% declararam gerir sua reputação corporativa em sustentabilidade. Outra pesquisa respeitada nesse assunto, feita pela Nielsen com 30 mil consumidores de 60 países, mostra uma “tendência para a sustentabilidade” em dois terços deles, que mudaram o próprio comportamento para minimizar o impacto sobre o planeta – sendo que 55% demonstraram disposição para pagar mais por produtos e serviços que tenham algum “propósito social”.

“Um encontro entre investidores e empresas sustentáveis, realizado recentemente na BM&FBovespa, reuniu mais de 50 pessoas. Elas buscavam entender como é a gestão e como essa gestão garante a mitigação dos riscos e a identificação de oportunidades de valor futuro”, destaca o diretor de Desenvolvimento Sustentável da Braskem, Jorge Soto.

O desafio de disseminar a política de sustentabilidade para a cadeia de valor

Desdobrar essas estratégias em ações concretas depende também daquela máxima “empresas são feitas por pessoas”. Ou seja, o engajamento dos funcionários é um ingrediente básico da fórmula. Na Basf, as principais iniciativas estão ligadas ao Time Virtual de Sustentabilidade – iniciativa voltada para a formação de uma nova geração de líderes e influenciadores, que dedicam, ao longo de dois anos, até 10% do seu tempo às atividades, incluindo a participação na Academia de Liderança da Fundação Dom Cabral – e os workshops de sustentabilidade –treinamentos que têm o objetivo de explicar o posicionamento da empresa e incentivar que os funcionários proponham soluções para o dia a dia. O projeto de substituição de embalagens de tintas em tambores por embalagens retornáveis nasceu nesses workshops.

Na Braskem as iniciativas se dividem em duas linhas básicas – educação pelo trabalho e educação para o trabalho. A primeira diz respeito às metas que são traçadas pelo funcionário, em conjunto com seu superior hierárquico, incluindo os quesitos relacionados à sustentabilidade – parte da remuneração está diretamente ligada ao cumprimento dessas metas. No segundo caso estão as iniciativas instituídas pela empresa para incentivar a adoção das estratégias de sustentabilidade em seus programas de ação. “Essas duas formas são uma oportunidade de ouro para cada integrante dar a sua contribuição para a sustentabilidade e ao mesmo tempo ser valorizado por isso”, ressalta Jorge Soto.

Há em paralelo um investimento em formação – os técnicos recebem treinamentos específicos para que a operação considere os impactos ambientais e sociais, e funcionários que ocupam posições chave são formados em um curso estruturado pela Fundação Instituto de Administração - FIA, da Universidade de São Paulo. Quando se trata de um tema novo, como a Análise de Ciclo de Vida, a equipe encarregada desses projetos recebe formação específica.

O mesmo esforço vale para a cadeia de fornecedores. Para produzir o polietileno verde, a Braskem só usa etanol produzido em usinas enquadradas em seu Código de Conduta para Fornecedores de Etanol – caso a usina não consiga comprovar que não utiliza mão de obras infantil ou que não tem por prática a queimada do canavial, ela não conseguirá vender seus produtos. A seleção e acompanhamento de todos os fornecedores também inclui a avaliação da performance ambiental e nas questões relacionadas a segurança e saúde ocupacional – já houve casos em que as prestadoras de serviços deixaram de ser contratadas porque negligenciaram a segurança dos funcionários.

Na Basf, uma das principais iniciativas para disseminar as estratégias de sustentabilidade para a cadeia de valor é o Together for Sustainability - TfS, um projeto global que reúne outras sete indústrias químicas para desenvolver e implementar iniciativas com foco em sustentabilidade e aumento da transparência na cadeia de fornecedores. No ano passado, a empresa auditou as unidades produtivas de 155 fornecedores e iniciou 550 avaliações de sustentabilidade. Agora, como parte do trabalho de sensibilização, a Basf irá capacitar cerca de 900 fornecedores até o final de 2015 – serão 18 rodadas do workshop “Conexão com a Sustentabilidade”, realizado em parceria com a Fundação Espaço Eco.

“Todo fornecedor da Basf deve ser homologado antes mesmo do processo de concorrência. Na fase de qualificação, são avaliadas questões como saúde financeira, qualidade, segurança, saúde, meio ambiente e responsabilidade social. Esses fornecedores passam por auditoria e, se não cumprem as exigências, eles têm um prazo para se adequarem. Caso um fornecedor não consiga se adequar, ele pode ser desqualificado”, conta o presidente da Basf para América do Sul, Ralph Schweens.

A meta global da Basf é, até 2020, reduzir emissões de gases de efeito estufa em 40% por tonelada de produto vendido e aumentar em 35% a eficiência energética – excluindo petróleo e gás – em relação aos índices apontados em 2002. Até o ano passado, a empresa conseguiu reduzir as emissões de gases em 34%, o consumo de água por tonelada produzida em 52,4% e aumentar a eficiência energética em 20%. Ralph Schweens cita como exemplo a utilização de gás natural no sistema de cogeração de energia elétrica que atende 10% da demanda no Complexo Químico de Guaratinguetá / SP – a expectativa é que até 2020 esse número alcance 25%.

Desacoplar o crescimento do consumo de recursos exige quebra de paradigmas

Reduzir o consumo de recursos sem que isso signifique retração exige mudanças – que, para Jorge Soto, passam pela inovação, não apenas nos produtos e nas tecnologias, mas também na forma de fazer negócios. “No caso do Aquapolo, o maior projeto de água de reuso do Hemisfério Sul, foi possível passar a utilizar esgoto como fonte de água para a indústria graças à inovação no modelo de negócios. Há espaço em todas as direções – principalmente no setor químico, que tem a oportunidade de criar as soluções mais eficientes”.

Enxergar isso, no entanto, ainda é privilégio de poucos líderes empresariais. Crescimento sustentável não acontecerá por acaso. A pressão exercida por todas as partes interessadas tem um efeito positivo – de criar a energia necessária para empurrar a evolução. E, segundo o diretor da DuPont, a resposta depende do entendimento que a empresa e seus líderes têm sobre as necessidades, sua capacidade de se antecipar a essas demandas e ao seu sistema de gestão. “O custo da mitigação é centenas de vezes maior – porque você tem que remediar ou encerrar algum projeto”, explica Davide Vassallo.

Em um setor que lida com um produto extremamente delicado, uma boa reação ou uma explosão é resultado direto da fórmula aplicada.

Polietileno verde

A Braskem ganhou projeção internacional quando adotou uma matéria-prima renovável – o etanol da cana de açúcar – para a produção de resinas, no ano passado foi considerada pelo Carbon Disclosure Project - CDP a melhor empresa brasileira em gestão de carbono – com nota 99 em transparência (numa escala de zero a 100) e A em desempenho.

Basf

A Basf desenvolveu este ano uma solução de nafta solvente – em que o naftaleno é eliminado – para o aditivo de combustível Keropur. A iniciativa faz parte do Sustainable Solution Steering – programa criado em 2011 para mensurar e ampliar a contribuição de seus produtos à sustentabilidade. As aplicações dos produtos são classificadas em quatro categorias: “accelerators”, quando promovem contribuição substancial na cadeia de valor, “performers”, que atendem aos padrões básicos de sustentabilidade, “transitioners”, na qual foram identificadas questões específicas e definidos planos de ações, e “challenged”, de significativa preocupação com a sustentabilidade. A avaliação dos oito mil produtos – e suas mais de 50 mil aplicações – será concluída até o final deste ano, e até o final de 2015 devem ser definidas as ações para as soluções challenged. A formulação antiga do Keropur vai ser eliminada – o aditivo está classificado como transitioner, por conter substâncias que devem ser substituídas. Para essa categoria, a Basf já finalizou os planos de ação.

“O método Sustainable Solution Steering visa ao crescimento do número de soluções do tipo Accelerator em longo prazo, a fim de aprimorar a sustentabilidade tanto da Basf como de seus clientes. Por isso, o portfólio de produtos está sob revisão contínua – o que significa que essa segmentação em quatro categorias também está sujeita a alterações, por exemplo, como resposta a mudanças nas demandas do mercado ou novas legislações”, explica Ralph Schweens.

 

 

 

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