Edição 355 • 2014

 

O que assegura uma operação sem incidentes?

Avanços na regulamentação e na tecnologia tornaram as operações mais seguras, mas sua eficácia na prevenção de sua eficácia na prevenção de acidentes ainda depende do fator humano

Flávio Bosco

 

Sob o frenético ritmo das atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural no país está oculto um número nada prodigioso. Entre 2009 e 2012, enquanto a quantidade de horas de trabalho em plataformas e sondas dobrou, o número de incidentes operacionais cresceu 3,6 vezes, aponta o relatório de segurança operacional produzido pela Agência Nacional do Petróleo. Apenas em 2012 foram registrados em 944 incidentes operacionais – incluindo dois mortos e 31 feridos, 79 explosões ou incêndios e 58 paradas não programadas.

Num setor tão complexo – que reúne um grande número de sistemas altamente energizados e líquidos inflamáveis percorrendo tanques e dutos a altas pressões e temperaturas – reverter essa tendência não tem se mostrado uma tarefa fácil. A regulação legal tem um papel importante em um ambiente onde cumprir boas práticas não é um hábito. Mas o simples cumprimento da legislação, em que a empresa enxerga a segurança como obrigação, deixa escapar uma importante condição de impedir os acidentes antes que eles ocorram.

Sistemas mais automatizados, capazes de armazenar e interpretar informações, são aliados na redução dos riscos. Eles se encarregam de manter toda a operação dentro de um limite aceitável. No entanto, ainda não têm capacidade para lidar com situações desconhecidas – na prática, ape- nas reagem a condições já experimentadas. E sua eficácia depende de um projeto, instalação, operação e manutenção executados por um ser humano.

Acidentes de grandes proporções têm o poder de mudar os procedimentos – e até a regulamentação legal – à luz das lições aprendidas. A explosão da plataforma Piper Alpha, em 1988, é um bom exemplo: a Inglaterra determinou que o Ministério de Energia conduzisse apenas as matérias relacionadas a promoção das atividades, e as questões relativas a segurança fi cassem sob a alçada da HSE. O mesmo aconteceu nos EUA, após o acidente com a plataforma Deepwater Horizon, há quatro anos, com a criação de uma agência reguladora encarregada exclusivamente da segurança offshore.

No Brasil, esse tema ganhou nova abordagem após a Agência Nacional do Petróleo publicar o Regulamento Técnico de Segurança Operacional – uma resolução com 17 práticas que devem ser observadas nas atividades de exploração e produção. Quando o operador não cumpre o estabelecido no Regulamento, recebe uma notificação de não conformidade, com prazo para corrigi-la. A punição pode chegar até à interdição da plataforma. Em 2012 19 unidades de produção e 22 sondas de perfuração receberam a visita dos auditores da Agência. Outras cinco auditorias foram realizadas em campos terrestres. “As em- presas passam a dar uma importância maior à questão da segurança, porque a ANP pode parar a operação da plataforma – como já aconteceu”, ressalta o gerente de Desenvolvimento de Negócios da DNV GL para a América do Sul, Luiz Fernando Oliveira.

Em janeiro a Agência publicou o Regime de Segurança Operacional para as Refinarias de Petróleo, com 16 práticas de gestão. As refinarias em operação terão dois anos para se adequar às regras. Resta agora colocar o foco sobre a fase de projeto – quando os níveis de integridade e confiabilidade dos sistemas de segurança e controle são definidos.

A evolução tecnológica está revolucionando a operação. Primeiro os operadores foram deslocados para os centros integrados de controle, longe das zonas de risco. Em uma nova onda, estão levando para centros em terra a turma que hoje trabalha embarcada em plataformas. Os sistemas instrumentados de segurança substituíram os antigos sistemas de proteção baseados em relés eletromecânicos na execução de complexas tarefas de intertravamento – suas lógicas de atuação combinam sinais dos sensores distribuídos por toda área industrial. A Norma IEC 61508 – Functional Safety of Electric, Electronic and Programmable Electronic Safety-Related Systems – surgiu para orientar a implantação desses sistemas. Dela se derivou a IEC 61511 – e sua correlata ISA 84 – específica para a indústria de processos. As duas ressaltam que a segurança operacional não depende somente do sistema, mas de todas as fases que compõem o seu ciclo de vida, desde o projeto até o seu descomissionamento. Diferentemente das normas prescritivas, elas estão focadas em especificar os níveis de desempenho exigidos dos sistemas de segurança.

Nos projetos das plataformas que irão operar no pré-sal, por exemplo, a Petrobras abdicou dos estudos individuais de identificação de nível de integridade de segurança (Safety Integrity Level – SIL) para especificar os sistemas instrumentados de segurança. Espera com isso avançar uma etapa na fase de engenharia. A atribuição do SIL – definido por um número de 1 a 4 – é um exercício que exige uma análise dos riscos feita por profissionais bem capacitados. Esse indicativo da ordem de grandeza traduz as probabilidades de falha dos sistemas de segurança em um índice necessário para levar o processo a um nível de risco aceitável. Como não é uma regulamentação legal, mas apenas uma prática recomendada, nenhuma empresa está obrigada a adotá-la. Abrir mão de uma análise individual para cada plataforma pode acelerar os prazos de construção. No entanto, não deixa de ser uma opção arriscada – nesse caso somente é especificado o sistema de segurança, não a integridade funcional da sua ação. “Quando você aumenta a responsabilidade da instrumentação, do ponto de vista da segurança, tem que fazer a análise de SIL da forma mais profunda e adequada possível”, avalia Luiz Fernando.

O maior risco incutido no crescimento das atividades de exploração e produção de petróleo está relacionado aos prazos que estão sendo impostos aos empreendimentos – que reduzem o tempo para análises das condições operacionais em áreas pouco conhecidas. “Quando se trata de segurança de processos, tempo e amadurecimento são fundamentais. O grande desafi o será garantir o atendimento e, principal- mente, a manutenção dos requisitos de segurança, apesar dos prazos apertados. Serão necessárias pessoas dedicadas e capacitadas para avaliar os novos problemas que possam surgir, sempre que possível de forma preventiva, e garantir a operação segura dessas novas explorações. É fundamental ter em mente que acidentes operacionais envolvem além de perdas econômicas, principalmente perdas de vidas. Com bom planejamento e critério, muitos desses aci- dentes podem ser evitados”, pondera o en- genheiro Rafael Bandeira, da Chemtech.

O fator humano

Investigações feitas pela americana Environmental Protection Agency - EPA, pela Occupational Safety and Health Administration - OSHA e pelo Chemical Safety Board - CSB nos acidentes ocorridos em refinarias e petroquímicas geralmente apontam três causas recorrentes: análise de perigos de processo inadequada, utilização de equipamentos inadequados ou mal projetados e indicação inadequada de condições de processo.

Frequentemente, as suas causas são resultados de decisões gerenciais e organizacionais – é o que o professor da Universidade de Manchester, James Reason, denomina como “falhas latentes da organização”. Reason, que apresentou a metodologia Tripod como uma ferramenta para melhorar o desempenho em segurança, argumenta que a maior motivação para o erro está no ambiente. É seu também o modelo que representa como fatias de um queijo suíço, repleto de buracos, as barreiras que deveriam evitar a ocorrência de acidentes – o acidente ocorre nas vezes em que o erro consegue atravessar esses buracos.

O Relatório Baker, produzido após a explosão na refinaria da BP no Texas em 2005, apontou que faltava uma “cultura de segurança” baseada no exemplo da liderança. Empresas passaram a compreender a diferença entre segurança de processos e segurança ocupacional – e que as maiores oportunidades de melhoria eram justamente as que consideravam a simbiose entre a tecnologia, os sistemas de gestão e o fator humano.

“São três grandes áreas que têm que trabalhar juntas para garantir o nível de risco aceitável ou minimizar as consequências do acidente”, aponta a diretora de Segurança da Braskem, Rita de Cássia Volponi Carvalho. A executiva mostrou, no Congresso da Associação Brasileira de Aná- lise de Risco, Segurança de Processos e Confiabilidade - Abrisco a experiência da empresa, que em um intervalo de dez anos, conseguiu reduzir sensivelmente o índice de acidentes pessoais em 90% – em 2012, a taxa de acidentes chegou a 1,04 por milhão de horas trabalhadas, bem abaixo da média de 8,79 por milhão de horas trabalhadas registrados pelas empresas químicas brasileiras.

Sistemas de gestão de saúde, segurança e meio ambiente estão integrados com sistemas de gestão de riscos, de confiabilidade e performance operacional. Uma atenção muito especial é dada ao treina- mento. Nada disso, no entanto, teria efeito sem o engajamento da liderança – os líderes devem acompanhar a rotina do chão- de-fábrica e dialogar com os operadores e mantenedores para mostrar o valor da percepção dos riscos e o tratamento que deve ser dado a situações que podem contribuir para a ocorrência de acidentes. “Um ponto importante é combater a cultura da aceitação dos desvios – uma vez identificado, o desvio tem que ser priorizado, investigado e eliminado. Com isso você consegue prevenir um acidente”, destaca Rita.

No mesmo congresso, o coordenador de Saúde Meio Ambiente e Segurança da BG no Brasil, Marcelo Toledo, mostrou como a petroleira usa as instalações de testes da DNV GL em Spadeadam, no norte da Inglaterra, para treinamento de seus técnicos e executivos. O curso de Conscientização em Riscos de Acidentes Maiores tem duração de dois dias e inclui simulações em es- cala real de grandes perigos, dramatização de estudo de caso, treinamento e discussões interativas. “O curso visa construir uma conscientização dos perigos dos acidentes maiores, suas causas e efeitos, além das medidas adotadas pela BG para gerenciar riscos. Uma vez que os líderes da empresa, engenheiros, projetistas e outros profissionais ficam bem próximos das simulações de incêndio e explosão, eles passam a sentir e conhecer de perto os efeitos e ficam bem mais suscetíveis a considerar tais perigos nos projetos desenvolvidos pela companhia”.

A Comgás – que até 2012 era controla da pela BG – desenvolveu uma instalação semelhante em Paulínia / SP, em parceria com a PMS.

Outra estratégia adotada pela BG, além da conscientização e comprometimento da alta liderança e dos treinamentos em integridade de ativos e conscientização em riscos de acidentes maiores, é o desenvolvimento de Safety Cases – e, assim como a Braskem, a gestão das barreiras críticas de segurança. Marcelo destaca dois programas: Observação, Intervenção, Gerenciamento de Contratados e Cumprimento Legal - OICC e One Team – para alinhamento da cultura de segurança entre funcionários da BG Brasil, contratados e prestadores de ser- viço. “Há um conjunto de metodologias que devem compor um sistema de gestão de segurança de processo. Além disso, diversos fatores influenciam na garantia da segurança de uma planta industrial ou plataforma de petróleo, desde a concepção do projeto, onde se tem as maiores oportunidades de se reduzir os riscos, até o momento da operação, onde o monitoramento dos indicadores de integridade de ativo e segurança de processo - KPIs é uma metodologia eficaz”.

Em 2001, os pesquisadores Karl Weick e Kathleen Suctcliffe, da Universidade do Michigan mostraram, no livro Managing the Unexpected – Resilient Performance in an Age of Uncertainty, cinco pontos comumente encontrados em empresas de alta performance: análise cuidadosa dos eventos não planejados, ser relutante em simplificar, valorização da opinião dos operadores, delegação para especialistas e recuperação e capacidade de adaptação rápida a mudanças e eventos não planejados.

Um dos estudos mais respeitados nessa temática, produzido pelo Health and Safety Executive - HSE, do Reino Unido, a partir de 34 acidentes envolvendo falhas de sistemas de controle e segurança, aponta que 44% deles ocorreram devido à má especificação de equipamentos, 6% por erros durante a instalação e comissionamento, 15% por cento ocorreram devido a erros na operação e manutenção e 20% por conta de mudanças feitas após o comissionamento. Novas tecnologias, sistemas de gestão e regulações são fundamentais. Resultados extraordinários, no entanto, de- pendem de estratégias centradas no ser humano. “O aspecto comportamental é estratégico, porque toda empresa é feita de pessoas. E a liderança tem um papel chave para garantir a redução dos riscos”, finaliza Rita.

Tecnologia

Sistemas de segurança antigos ainda podem ser encontrados em operação – como os sistemas baseados em lógica de relés, que devem ser substituídos para atender aos requisitos de segurança. Os mais novos, baseados em controladores lógico programáveis - CLPs ou em sistemas digitais de controle - SDCDs têm recebido melhorias incrementais. Para os fornecedores, o desafio é oferecer soluções que gerem alto níveis de segurança de processo mas que não causem perdas significativas de produção e que tenham custos de reposição razoáveis – e que ofereçam um benefício maior do que o custo, para motivar o “dono do negócio” adotar as novas tecnologias.

Sistemas instrumentados de segurança contribuem para a redução de risco quando não é possível adotar um processo inerentemente seguro – através do aprimoramento de sistemas com processamento e cartões de entrada e saída redundantes, desenvolvi- mento das ferramentas preventivas para diagnóstico de falhas e gestão de ativos. Também garantem a disponibilidade da planta, diminuindo a frequência de paradas espúrias e perdas de produção. “Após a divulgação das normas IEC-61508 e IEC-61511/ ISA-84 a área de segurança vem sendo revolucionada. Num primeiro momento, os fabricantes se preocuparam em ter ao menos um equipamento ou solução que atendesse as normas. Assim, foram feitos desenvolvimentos laterais através de adaptação para obter a certificação. Atualmente, os fabricantes já estão desenvolvendo soluções que tentam aliar o estado da arte de tecnologia, com menor custo de implantação, mantendo ou aumentando o nível de segurança”, conta o especialista da Chemtech, Teofilo Paiva Guimarães Mendes.

Ele cita como exemplo o desenvolvimento da tecnologia de redes certificadas para sistemas instrumentados de segurança – como o Foundation Fieldbus e o ProfiSafe. “Outra tendência que deve se consolidar como sistema de automação são as soluções de operação integrada de SDCD e SIS, como o Delta V SIS da Emerson, o PCS7 com arquitetura FMR e IOs Fail - Safe da Siemens”.

Hardwares de lógica de shutdown produzidos pela Hima, Yokogawa e Triplex agora estão baseados em sistemas programáveis com redundâncias modulares. Essa automação, no entanto, exige competências cada vez mais complexas para projetar, instalar, operar e mantê-los – e também para realizar as análises de ris- cos. Um custo extra que nem todas as empresas, fornecedoras ou usuárias, estão dispostas a bancar.

 

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