Edição 333 • 2011

Cenário desafiador

Na última década, os investimentos em petroquímica foram atraídos pelas matérias- primas mais baratas e pelos mercados com maior promessa de crescimento, deslocando o tradicional eixo de comércio EUA-Europa. O pré-sal, o etanol – e principalmente o crescimento econômico – abrem a questão: qual o papel da petroquímica brasileira nessa nova configuração?

Flavio Bosco

Em 1985 a produção petroquímica nos países do Oriente Médio não passava de quatro milhões de toneladas. 25 anos depois, a região produz 24 milhões de toneladas de polietilenos e polipropileno. Uma estratégia de agregar valor à cadeia do petróleo e do gás natural extraído da Arábia Saudita, Emirados Árabes e Irã – calcada em preços baixos – atraiu muito investimento, com implicações profundas para o negócio petroquímico global. De cada tonelada de resina circulando pelo mundo, 200 quilos saíram das petroquímicas instaladas na região. Até 2015, segundo estimativas da consultoria CMAI, o consumo global deverá crescer 5,3% ao ano – com maior vigor nas economias emergentes. A demanda será atendida justamente pela estrela das economias emergentes: a China. Entre 2010 e 2015, a produção de polietilenos, polipropileno e poliestireno na região da Ásia deverá passar de 70 mil toneladas para 75 mil toneladas/ano.

Uma razão basta para explicar sua escalada para sediar a maior quantidade de novas petroquímicas erguidas no mundo: consumo. Nos anos 90, o consumo de resinas crescia a uma taxa de 5,2% – China, Índia e Brasil puxaram a média para cima, com um crescimento de 9,4% ao ano. De 2000 até 2007, o consumo desacelerou – no mundo passou a crescer 4,2% ao ano, e nos três países a 7,3% ao ano, por um motivo simples: a ascensão social nessas economias em desenvolvimento significa crescimento de consumo muito mais vigoroso do que nas regiões desenvolvidas. A crise econômica global deixou essa situação mais evidente: em 2008 o consumo global retraiu 7,1% – nos EUA, a queda foi de 16,2%, enquanto China, Índia e Brasil consumiram "apenas" 1,4% menos que no ano anterior. 2008 e 2009 foram justamente os anos em que as petroquímicas operaram com menor taxa de ocupação. "Prever ciclos é quase impossível. Um exemplo é que todos projetavam uma desaceleração impulsionada pela entrada em operação de novas capacidades no Oriente Médio e na China em 2009 e 2010 – e 2011. Isso não aconteceu por uma série de razões.

Agora, acredita-se que entre 2011 e 2012 haverá uma leve desaceleração devido às novas capacidades, mas em 2013 poderíamos iniciar a recuperação, com um pico em 2015", comenta o consultor Robert Bauman, da Polymer Consulting. Bauman ressalta que o fenômeno do gás de xisto norte-americano poderia resultar em um novo cenário de superoferta entre 2015 e 2017. O desenvolvimento tecnológico da perfuração horizontal e do multifraturamento de poços viabilizou economicamente a extração de gás de xisto nos EUA – e essa imensa oferta de matéria-prima já começa a reverter uma estratégia petroquímica mundial, de não investir em novas unidades na região. Qual seria então o melhor exemplo para ser seguido pelo Brasil – o modelo dos países árabes, que oferecem matérias-primas tão competitivas que permitem colocar suas resinas em qualquer lugar do mundo sem perder a competitividade, ou da China, que incentiva a construção de petroquímicas para abastecer a produção de bens de consumo? "Para atrair investimentos estrangeiros, especialmente quando não há mercado interno e, essencialmente, toda a produção tem de ser exportada, os países precisam oferecer matéria-prima a custos baixos.

A necessidade aumenta ainda mais se houver um risco político e se os países vizinhos estão oferecendo matérias-primas a custos reduzidos", lembra o especialista. Não é exatamente o caso do Brasil. Para este ano, a expectativa é que o consumo interno seja 10% maior do que em 2010 – quando o país consumiu 4,9 milhões de toneladas de resinas. "Nesse ritmo precisamos inaugurar uma planta por ano", afirma o presidente da Braskem, Carlos Fadigas. Hoje o país ainda importa 30% da nafta que consome. No fi nal da década, o pré-sal deve oferecer um volume sufi ciente para elevar o poderio do Brasil nessa disputa – desde que a estratégia de separação das frações petroquímicas do petróleo e do gás e a fórmula de precifi cação para essa matéria-prima seja competitiva o suficiente. "Com a descoberta do pré-sal temos um volume crescente de gás natural, que vai ter uma participação extremamente importante dentro do Comperj", conta o diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa.

Se as estimativas iniciais – que apontam para uma alta razão gás/óleo de 35 m³ por barril produzido nessa região, cinco vezes maior do que a média produzida na Bacia de Campos – se confirmarem, o pré-sal disponibilizará o dobro da quantidade de gás natural atualmente importada da Bolívia. 15 milhões de m³ seriam direcionados ao Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, para a produção de 1,1 milhão de toneladas de eteno. Aos poucos, o projeto de construir uma refi naria petroquímica – que processaria o petróleo pesado do campo de Marlim – vai sendo modelado por essa oferta do pré-sal e pelo vigoroso crescimento da demanda de combustíveis.

Mudou a configuração: agora serão duas refi narias com capacidade de processar 165 mil barris por dia e uma central petroquímica. Mudaram também os cronogramas: as unidades de destilação de uma das refi narias – que já está com 22% das obras físicas prontas – entram em operação ao fi nal de 2013. O segundo trem de refi no produzirá QAV, diesel e GLP somente ao final de 2018. Já a produção petroquímica – ainda em fase de projeto básico – começa a operar ao final de 2016 ou no início de 2017. "Podemos antecipar. Porque nos últimos anos, para um PIB que cresceu de 3,5% a 4%, a demanda do polietileno e do polipropileno tem registrado crescimento de 8% a 9%. Como vamos ter uma década muito especial para o nosso país em termos de crescimento – com entrada no mercado consumidor de mais de 20 milhões de habitantes e os grandes eventos esportivos – a demanda de petroquímicos vai crescer num ritmo possivelmente maior do que imaginamos", ressalta o diretor da Petrobras.

A atividade de refino de petróleo será conduzida pela Petrobras. A central petroquímica e as plantas de polietilenos e polipropileno fi cam a cargo da Braskem. Paulo Roberto Costa lembra que todas as unidades de segunda geração que não despertarem interesse da Braskem – por não fazer parte de seu portfólio, como a produção de óxido de eteno – deverão ser tocadas em parceria com outras empresas. Sinal verde Na estratégia de expandir sua atuação pelo mundo, o diferencial que deve alçar a indústria química brasileira a um posto de destaque é o desenvolvimento de produtos a partir de matérias-primas renováveis. Alguns deles já podem até ser encontrados em linhas específi cas de produtos: a Oxiteno usa óleo vegetal como matéria-prima para tensoativos e a Rhodia adotou o etanol e o óleo de palma para produzir sufactantes. Em fevereiro a Embalixo colocou no mercado sacos de lixo feitos com polietileno verde da Braskem. A empresa, que no ano passado começou a produzir o polietileno verde em escala industrial – 200 mil toneladas por ano – no pólo petroquímico de Triunfo, já estuda novos investimentos nessa área.

Em média 20% mais caro do que o polietileno derivado do petróleo, o polietileno verde se prende ao apelo ambiental: para cada tonelada produzida, 2,5 toneladas de CO2 são capturadas pelas plantações de cana-de-açúcar. "Fontes renováveis estão sendo utilizadas ou previstas para polietileno, polipropileno, PVC e etilenoglicol, com a maioria da produção localizada no Brasil. A razão é a economia extremamente favorável da cana-de-açúcar em comparação a qualquer outra matéria-prima renováveis em outros países. Como resultado, a demanda deve superar a oferta. Se o prêmio foi alto o sufi ciente, então poderiam surgir mais plantas construídas em outros países mas isso deve ser feito com uma visão de longo prazo", avalia Robert Bauman. A Coca-Cola, que já vinha utilizando garrafas PET produzidas com 30% de etanol extraído da cana-deaçúcar, irá expandir a embalagem para água mineral, sucos e embalagens de ketchup vendidos no mercado americano.

A PlantBottle substitui o monoetilenoglicol derivado do petróleo por um feito a partir do etanol. Sua concorrente Pepsi prometeu para 2012 uma garrafa feita totalmente com resíduos orgânicos. A M&G tem estudado com a Amyris a produção de PET com farneceno – um novo derivado da cana de açúcar produzido pela modifi cação genética em uma levedura. O estudo está na fase de testes e avaliação das propriedades da resina. "Há outras possibilidades de uso de farneceno e seus derivados em aplicações de plásticos, como por exemplo plastifi cantes", afi rma o gerente de marketing da Amyris Brasil, Adilson Liebsch. Outros projetos, engavetados pela crise econômica global de 2008, começam a ser retomados: uma fábrica de PVC com capacidade para 60 mil toneladas que a Solvay Indupa planeja erguer em Santo André / SP e um pólo integrado de polietilenos que a Dow planeja erguer em Santa Vitória / MG com a produção anual de 350 mil toneladas de polietileno. Originalmente este projeto seria tocado pela Santa Vitória Açúcar e Álcool, uma joint venture formada pela Dow e pela Crystalsev em 2007.

O plantio da cana, a encomenda dos equipamentos e as propostas de engenharia já estavam em fase adiantada. No meio do caminho, a Santelisa foi absorvida pela LDC, que decidiu se desfazer dessa parceria e a Dow passou a controlar 100% do projeto de US$ 1 bilhão. A despeito do foco dado em especialidades químicas, a empresa informa, por meio de nota, que "está comprometida em oferecer, em escala mundial, uma solução de polietileno com base em matérias-primas renováveis fabricadas a partir da cana de açúcar, no Brasil".

 


 
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