Edição 330 • 2010

Novo status para o CO2
Pesquisas caminham para dar ao vilão do aquecimento global um destino mais nobre do que simples estocagem em reservatórios geológicos

Flávio Bosco

Não faz muito tempo, o bagaço não passava de uma sobra do processamento da cana-de-açúcar. Hoje a venda de energia gerada a partir de sua queima representa, em média, 15% da receita de uma usina de açúcar e etanol. Foi ele quem trouxe ao setor o conceito de receita fixa e contratos de longo prazo. Antes, era até dado de graça. Agora, com o advento do etanol celulósico, passou a experimentar uma valorização sem precedentes. O dióxido de carbono – ou CO2, como é mais conhecido o vilão do aquecimento global – começa a trilhar o mesmo caminho. As pesquisas ainda estão restritas aos laboratórios, mas já apontam a viabilidade de transformá-lo em combustíveis e produtos químicos – um destino bem mais nobre do que o enterro em reservatórios de petróleo e aquíferos salinos.

Na Alemanha, a Bayer trabalha junto com a RWE Power e a RWTH Aachen University no que vem sendo chamada de "Produção dos Sonhos": a inserção de CO2 na cadeia dos poliuretanos (veja reportagem na página 18). Há outras iniciativas financiadas com recursos públicos para transformar o que hoje é um problema em uma solução. Uma delas é um sistema que transforma o CO2 em metanol através de um processo biocatalítico patenteado pela americana Carbon Sciences. Na Universidade Estadual da Pensilvânia, os pesquisadores partiram da conversão fotocatalítica para transformar o CO2 em combustível.

E em Massachusetts, os cientistas estão desenvolvendo uma rota baseada em eletrosíntese microbial – que combina energia solar e microorganismos em um processo semelhante à fotossíntese para converter o CO2. Também por lá, a Novomer trabalha para usar uma tecnologia de catálise para reagir o dióxido de carbono com epóxi para produção de policarbonato – para isso, contou com um financiamento de US$ 18,4 milhões de um fundo ligado ao Departamento de Energia. No Instituto de Bioengenharia e Nanotecnologia de Cingapura, os pesquisadores já usam catalisadores orgânicos para transformar o CO2 em metanol. "O aproveitamento químico do CO2 é um assunto de grande interesse em todo o mundo, e tem duas vertentes: o uso como solvente supercrítico e na produção de solventes ou reagentes orgânicos.

A utilização na síntese de carbonatos inorgânicos já é tradicional e continua sendo explorada. O uso como solvente supercrítico tem sido crescente pois, além de bom solvente para muitos produtos, pode ser reciclado com facilidade e não deixa resíduos", explica o professor Henrique Eisi Toma, do Departamento de Química Fundamental da Universidade de São Paulo. Os primeiros resultados são bastante promissores. Só isso. Ninguém se arrisca a cravar uma data para que os primeiros produtos feitos a partir do CO2 comecem a jorrar em escala industrial.

O grande desafio está justamente na catálise: a baixa densidade de energia do dióxido de carbono tem impedido a aplicação desta tecnologia em qualquer tentativa de colocar o CO2 em uso prático. "Uma aplicação industrial do processo que está sendo estudada não é esperada para antes de 2015, diz o gerente do projeto "Produção dos Sonhos" na Bayer MaterialScience, Christoph Gürtler. Iniciativas como essa se juntam ao conjunto de soluções que um mundo obcecado por práticas ambientalmente corretas quer dar para o problema mais alarmante da década. Aqui no Brasil, a pesquisa vem sendo liderada, obviamente, pela Petrobras, em conjunto com 18 universidades.

Os pesquisadores da Rede Temática de Sequestro de Carbono e Mudanças Climáticas consideram em seus estudos desde a produção de ácido ascético até metanol e etanol – que poderiam ser utilizados como combustível ou transformados em olefinas. Outra rota – alguns passos mais à frente – estuda a conversão biológica do CO2 em biomassa através de microalgas, seguida de gaseificação para produção de biocombustíveis sintéticos. Pode até ser que a resposta acabe tomando um rumo bem diferente das rotas perseguidas até agora. Nem será nada surpreendente que a solução para as emissões de gases de efeito estufa resulte da convergência de várias áreas– como a engenharia química, biologia e eletrônica, igual ao que ocorre com a nanotecnologia – ou até mesmo o armazenamento em reservatórios geológicos.

Ou que a demanda não absorva todo o dióxido de CO2 que precisa ser retirado da atmosfera. Mas qualquer que seja a resposta, ela será crucial para garantir a própria sobrevivência do planeta. Os efeitos colaterais da emissão de CO2 pela queima de combustíveis fósseis para a geração de energia e transportes já colocaram o mundo em sintonia com a tal da "economia de baixo carbono". Um recente estudo da ONU que buscou mostrar o impacto dos danos ambientais na economia, calcula em US$ 6,6 trilhões que o estrago causado pela atividade humana em 2008 – a quantia é cerca de 11% do PIB global.

A projeção é que esse valor suba para US$ 28 trilhões até 2050, o que equivale a 18% do PIB global. As emissões de GEE representam cerca de 70% de todos os impactos ambientais analisados no relatório – os 30% restantes são causados por captação de água, poluição, resíduos em geral, pesca predatória, extração de recursos naturais florestais, e outros serviços que dependem do ecossistema. O Global Carbon Project estima que as emissões globais de CO2 atinjam seu recorde este ano. Estatísticas do Programa Ambiental da ONU indicam que o mundo emitiu em 2005 cerca de 45 gigatoneladas de CO2e – uma métrica que considera todos os gases de efeito estufa – com o risco de ultrapassar as 56 gigatoneladas de CO2e em 2020. Só no Brasil, que ocupa a quarta posição no ranking dos países que mais emitem CO2, as emissões passaram de 1,4 gigatoneladas – CO2e em 1990 para 2,192 gigatoneladas de CO2 em 2005.

Segundo o inventário do Ministério da Ciência e Tecnologia – o setor de energia e a indústria são responsáveis por 15% e 3% desse total, respectivamente. A Nasa informa que 2010 teve os primeiros nove meses mais quentes da história. Sem a mitigação dos gases, aumentam os riscos de danos ambientais. E a cadeia do petróleo, que carrega parte da culpa, busca uma forma – econômica e ágil – de se apresentar como parte da solução do aquecimento global. Ainda em escala pequena, o CO2 já é utilizado para elevar a produtividade de campos de petróleo. Reunidas em um projeto multicliente batizado de CO2 Capture Project – CCP, as petroleiras buscam otimizar todo o processo – a captura e sua eficácia são conhecidas, o desafio é fazer isso de forma mais barata.

O CO2 representa apenas algo entre 8% e 12% dos gases exaustos nos processos industriais, e para extrair uma tonelada, as empresas gastam de € 50 a € 60. "Por enquanto, ainda é uma alternativa cara mas, como tudo o que é novo, é natural que assim seja – e a tendência vai ser de redução de custos", avalia a professora Suzana Kahn Ribeiro, Coppe/UFRJ. Demonstrar preocupação com o futuro do planetaé também uma forma que o meio corporativo encontrou para garantir seu futuro. A relação entre o negócio e o meio ambiente ficou muito mais complexa.


 

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