Edição 329 • 2010

Protagonista da (r)evolução
A Petrobras aumentou a influência sobre as empresas de engenharia – e isso tem sido muito bom

Flávio Bosco

A onipresença da Petrobras no faturamento de vários setores cresceu ao longo dos últimos anos. 30% do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC estão sob a responsabilidade da petroleira. Em meio à maior crise econômica global vista em 70 anos, quando os planos de investimentos desenhados por todas as outras empresas balançavam, a Petrobras anunciou um crescimento substancial no número – e no valor – de seus projetos.

Com esse peso,é natural que cada real por ela investido afete o dia-a-dia de 77 mil empresas – direta ou indiretamente seus passos influenciam esse grupo de fornecedores não apenas financeiramente, mas também na qualifi- cação: as exigências feitas nos contratos acaba puxando para cima a performance de suas contratadas, a começar pelas empresas de engenharia. Essa influência está ainda mais clara desde quando a Petrobras passou a comparar o desempenho das empresas de construção industrial – e constatar que as empresas brasileiras estavam bem atrás do que pode ser considerado competitivo no mercado internacional.

A petroleira e as empresas de construção e montagem agrupadas sob a Associação Brasileira de Engenharia Industrial - Abemi sentaram e, juntas, vêm discutindo a adoção de novas práticas para elevar o desempenho na implantação dos empreendimentos. Afinal de contas, com um ambicioso plano de investimentos, a Petrobras dependerá cada vez mais desses fornecedores para manter a sua performance. Há indicadores – como o custo médio dos poços e das unidades de produção offshore – em que a Petrobras consegue ser mais eficaz que a média internacional.

Mas comparando o desempenho de projetos similares internacionais, os técnicos da Petrobras verificaram que o trabalho feito por uma empresa epcista nacional demora mais tempo para ser concluído – ocorrência grave num setor em que os concorrentes estão espalhados pelo mundo. "Temos muito a evoluir em muitos campos como, por exemplo, aumentar o nível de automação em nossos processos de corte, soldagem e pintura", explica o coordenador do Centro de Excelência em EPC, Laerte Santos Galhardo.

Não é muito difícil entender os motivos que abriram esse descompasso: a míngua de obras das décadas de 80 e 90 fez a engenharia nacional "virar suco" – a maior lembrança desse período é uma lanchonete chamada "O engenheiro que virou suco", montada na capital paulista por um engenheiro desempregado. Enquanto os americanos e os europeus passaram as últimas duas décadas buscando novas técnicas para atender a uma demanda que não parava de crescer, as empresas brasileiras não tinham fôlego para se manter tecnologicamente atualizadas – sem contar que, nesse vácuo de demanda, quase todo conhecimento acumulado com a construção das primeiras plataformas instaladas na Bacia de Campos e das últimas refinarias inauguradas no país foi, sistematicamente, se perdendo. "Ao final da década de 90, os investimentos começaram a ser retomados, mas com um nível muito grande de insegurança. As empresas brasileiras não sabiam se aquilo dito iria ou não acontecer.

Depois apareceu uma filosofia de que a Petrobras teria que comprar onde fosse mais barato, e as plataformas eram feitas em Cingapura, China, Coréia e Espanha. Uma indústria que estava muito enfraquecida, por não ter trabalho durante duas décadas seguidas, não poderia ser competitiva de uma hora para outra se não tivesse capacidade de exercitar – e muito menos uma visão de longo prazo", explica o presidente da Abemi, Carlos Mauricio de Paula Barros. Aquela época em que os engenheiros recém-formados iam parar no mercado financeiro ficou para trás.

A expansão da economia inverteu o problema e hoje as empresas já enfrentam dificuldades para encontrar engenheiros – um estudo apresentado pela Confederação Nacional da Indústria estima que o déficit anual já beire os 30 mil profissionais. De 2003, quando a Petrobras resolveu construir no país a primeira plataforma semi-submersível, até 2008, as empresas de engenharia industrial viram a quantidade de encomendas aumentar oito vezes. Na área de Engenharia da Petrobras, por onde passam todos os projetos da empresa, o volume de trabalhos cresce a um ritmo de 30% ao ano. "Quando retomamos a construção das plataformas no Brasil, estávamos de frente com o mesmo problema. Hoje pelo menos temos programas de qualifi cação de mão-de-obra e de melhoria da produtividade, estamos investindo em infraestrutura e temos um planejamento bem elaborado", avalia o gerente-executivo de Engenharia da Petrobras, Pedro Barusco.

O maior desafio agora é fazer mais – e mais rápido. Essa é a bandeira encampada pela petroleira. A construção da P-51 e da P-52 em um estaleiro nacional foi apenas um tranco no carro que estava com a bateria arriada. Agora que o automóvel está andando, precisa alcançar a mesma velocidade dos concorrentes internacionais – haja visto que nenhum casco para FPSOs, o tipo de plataforma preferido da Petrobras, foi convertido no país. O segredo todo está na articulação de todos os agentes – que tem seu maior expoente no Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural – Prominp. A própria petroleira tomou medidas corretivas para elevar a produtividade na tentativa de melhorar os indicadores de custo e prazo.

Mudou a forma de contratar seus empreendimentos – com pacotes menores, abrindo chance para um número maior de fornecedores. Um trabalho desenvolvido pela área de Engenharia da Petrobras e pesquisadores da UERJ e da UFRJ detectou que, nas obras de downstream – que inclui o refino e o transporte – o trabalho efetivo de soldadores e montadores corresponde de 40% a 50% do seu tempo total. Até aqui, nada muito diferente do que apontam os indicadores do Independent Project Analysis - IPA ou do Construction Industry Institute - CII, referências internacionais em construção industrial.

Mas não deixa de causar espanto em qualquer gestor. O estudo analisou as frentes de trabalho em várias obras e disciplinas, medindo a produtividade e o tempo efetivo dos operários com a "mão na ferramenta" em relação ao tempo gasto com as instruções para a tarefa, espera por material, movimentação e permissão de trabalho. Existe uma série de fatores que afetam a produtividade dos empreendimentos, que começa no planejamento, passa pela complexidade do empreendimento e pela qualificação da equipe, e vai até a gestão da segurança operacional. "Em conjunto com as empreiteiras, analisamos as causas e são tomadas medidas corretivas para aumentar este percentual e, como consequência, a produtividade. Há casos em que se consegue aumentar o tempo do operário em trabalho efetivo em mais de 20%", comenta Laerte.

Em parceria com a Universidade Federal Fluminense a Petrobras está implantando um laboratório de métricas de desempenho, que permitirá a auto-avaliação das empresas brasileiras com as médias de empreendimentos similares – fruto do Projeto E&P 27.5 do Prominp, esse laboratório será alimentado com indicadores de custo, prazos e consumo de mão-de-obra em várias obras no país. Laboratórios específicos para obras de refino, dutos submarinos e dutos terrestres serão implantados em parceria com outras universidades e usando a mesma metodologia. "No futuro estes laboratórios serão integrados a outros, nos EUA, Canadá, Noruega e Ásia, e assim poderemos comparar nossa produtividade e custos da construção como se fosse uma commodity", adianta o coordenador do Centro de Excelência em EPC.

A mais recente radiografia do setor de construção industrial no país acaba de ser apresentada pelo Prominp: o Projeto E&P 27.4 concluiu que a produtividade das grandes empresas internacionais supera a média nacional porque lá fora os conceitos de modularização e pré-fabricação já foram assimilados, o grau de automação é maior e a chamada construtibilidade já está consolidada. Após visitar cinco canteiros de obras no Brasil e estaleiros na Noruega, Cingapura, Coréia do Sul e Malásia, a equipe de pesquisadores concluiu que as empresas brasileiras precisam modernizar suas instalações, comprar máquinas com tecnologia de ponta e desenvolver metodologias que tornem a produção mais eficiente. No estudo, foram comparadas sete disciplinas: corte e soldagem de estruturas metálicas, tubulação, pintura, organização da produção, modularização, movimentação e içamento de carga e SMS. A engenharia nacional só alcança o benchmark internacional nesse último quesito, e isso por conta das rígidas exigências.

O ponto mais crítico está na adoção de práticas ultrapassadas – a maioria dos problemas encontrados está associada a defasagem tecnológica de equipamentos, estratégia de construção e a já famosa capacitação de mão-de-obra. O professor Miguel Luiz Ribeiro Ferreira, que esteve à frente do estudo, explica que, no exterior, a quantidade de pré-fabricação e modularizaçãoé bem mais avançada porque os equipamentos de movimentação e içamento têm maior capacidade. "Na Coréia do Sul, um estaleiro da Samsung tem quatro diques-seco, com guindastes de altíssima capacidade e toda uma infraestrutura capaz de viabilizar com que ele diminua a quantidade de serviços no canteiro".

Não é só isso: a quantidade de encomendas garante ao Samsung manter os mesmos empregados por um tempo maior. No Brasil, a falta de encomendas foi justamente o motivo que afastou milhares de trabalhadores do setor, provocando um vazio entre a geração "cabeça branca" e os jovens recém-formados que não têm experiência com a prática da produção. Essa questão, pelo menos, já está encaminhada pelo Prominp. Na primeira fase do Programa Nacional de Qualificação Profissional - PNQP 78 mil pessoas passaram pelos cursos de capacitação – 4500 deles são engenheiros que passaram por uma especialização para trabalhar no setor.

O cruzamento do banco de dados do Prominp com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, do Ministério do Trabalho e Emprego revela que 89% desses profissionais estão empregados. Numa segunda fase, ainda em formatação, o PNQP terá R$ 124 milhões para treinar mais 37 mil profissionais – que, além dos empreendimentos da Petrobras, também serão capacitados para atender a demanda da cadeia de fornecedores. Até 2013 o Prominp estima que será necessário qualificar 207 mil pessoas, em 185 categorias profissionais. O crédito é outra questão bem encaminhada: depois dos acordos de fluxo de caixa neutro firmados com as associadas da Abemi e a petroleira, e do advento dos fundos de direitos creditórios específicos, agora a Petrobras e um conjunto de seis bancos lançaram o Progredir – um programa lastreado nos contratos de fornecimento, estendido também aos subfornecedores da cadeia.

De posse dos contratos e com a garantia de pagamento da Petrobras, os fornecedores vão aos bancos – participam do programa o Banco do Brasil, Bradesco, Caixa, HSBC, Itaú e Santander – e podem levantar até 50% do valor. "Aí está o grande segredo do fi nanciamento da cadeia produtiva, e que vai permitir eliminar custos financeiros e dar ao fornecedor da cadeia a possibilidade de também ter cash flow positivo", avalia o diretor superintendente da UTC Engenharia, Ricardo Pessoa. Os desafios estão dentro e fora dos muros das empresas – a maioria dos entraves são gerados por fatores estruturais, como é o caso da elevada e complexa carga tributária. A construção da unidade de propeno na Refinaria Henrique Lage teve o maior índice de modularização já alcançado em uma obra desse porte: 40%.

Mas, por conta do ICMS e da logística, acabou custando mais caro. Olhando para frente, pelo menos a incerteza em relação às encomendas praticamente não existe mais: o plano da Petrobras indica que a engenharia industrial terá carteira cheia e sustentável por um longo tempo – nenhum outro país do mundo tem uma reserva do tamanho do pré-sal para ser explorada.


O período de bonança que paira sobre o setor é propício à consolidação de um porte internacional. Resta que todos os envolvidos aproveitem a oportunidade de galgar esse patamar mais elevado de competitividade.


 

LEIA MATÉRIA NA ÍNTEGRA NA EDIÇÃO IMPRESSA

Assine já!

Na Edição impressa
  Especial
Braskem dobra esforços em P&D para liderar química sustentável
   
  Petróleo & Gás
Governo comemora megacapitalização da Petrobras
   
  Retrospectiva
15ª edição da Rio Oil & Gas bate recordes de público e de expositores
   

Todos os direitos reservados a Valete Editora Técnica Comercial Ltda.
Tel.: (11) 2292-1838