Edição 319 • 2009

MBA da manutenção
Planejamento, disponibilidade, gestão de ativos, foco nos resultados. Como princípios da administração estão ajudando a reescrever a história da manutenção

Flávio Bosco

O pessoal da Quattor conseguiu inspecionar, reparar, limpar e modificar quase três mil equipamentos. Tudo isso integrado a um projeto de ampliação. Simples? Parada geral de manutenção dá trabalho – talvez até maior do que erguer uma planta nova. E o resultado atingindo é decisivo para os próximos seis anos de operação ininterrupta.

Quattor, Petrobras, Braskem... cada empresa tem sua história de parada geral. Mas, mesmo que as circunstâncias variem de uma planta para outra, todos os casos trazem uma marca em comum: um rígido planejamento. Afinal de contas, tudo tem que estar preparado para receber um batalhão de operários quatro vezes maior do que costuma circular pela área industrial quando a planta está em operação.

Aqueles 30 dias em que uma petroquímica desliga os fornos começam a ser pensados dois anos antes. E envolve todos os níveis hierárquicos da empresa. Dessa vez, a Quattor adotou integralmente a PMBok Guide – a metodologia criada dentro do Project Management Institute que tornou-se referência para o gerenciamento de projetos.

Via de regra, o planejamento de uma parada geral de manutenção começa na definição do objetivo e das premissas – e a partir daí consolidar o escopo e o planejamento. Só após essa fase os serviços e materiais são adquiridos e os operários passam a realizar a chamada pré-parada – que basicamente consiste em montagem de andaimes, pré-fabricação, mobilização e preparativos de infraestrutura. Nessa parada da Quattor, foram 29 mil atividades – muitas delas dedicadas a preparar a unidade para o aumento da produção, como a substituição das bandejas da torre de eteno e os tei ins para a interligação da planta nova com a existente. Com o escopo fechado, a empresa partiu para os workshops – entre eles o chamado “desafio de escopo”, que avalia todos os serviços antes da contratação. “A partir do momento que o escopo está consolidado, para incluir novos equipamentos no escopo, tem que ‘rezar uma missa’. A inclusão só é autorizada por uma comissão, formada por diretores e gerentes, que analisa a necessidade do serviço”, relata o gerente de manutenção da Unidade de Químicos Básicos, Carlos Diehl.

Outra metodologia implementada foi a corrente crítica – adotada pela primeira vez no planejamento de parada para alguns serviços identificados como críticos, que poderiam impactar no prazo final. A atenção é centrada no elo mais frágil da corrente – que pode estar em coisas simples, como a necessidade de suprimento de água potável próximo ao colaborador para que ele não precise se deslocar, até a alteração da sequência das tarefas visando o aumento de produtividade.

Manutenção é uma atividade que consome parcela significativa do custo operacional: 4,14% do faturamento das empresas brasileiras e 4,12% da média mundial. O Documento Nacional elaborado pela Associação Brasileira de Manutenção – Abraman aponta um gasto de R$ 120 bilhões por ano – 31% com pessoal, 33% com material, 27% com serviços contratados e 9% com outros itens.

Com pequenas variações, estes percentuais se mantêm estáveis há uma década. Mas a busca por maior eficiência – operacional e financeira – tem levado as empresas a avaliar com maior rigor essa atividade. A equipe de manutenção deixou de ser aquela turma chamada apenas para reparar equipamentos quebrados. Hoje eles compõem, junto com engenheiros de produção, processo e de automação, times de trabalho que desenvolvem novos projetos de melhoria de qualidade e produtividade de complexos equipamentos e subsistemas. E disponibilidade e confiabilidade passaram a ser a principal palavra utilizada.

A disponibilidade pode ser medida pelo tal do slowdown técnico. Os índices de eteno que deixaram de ser produzidos são utilizados pela Quattor para mostrar que a indisponibilidade se manteve abaixo de 1,6% desde abril, quando não foram mais registrados problemas de black-out no fornecimento de energia elétrica – nos últimos meses o relatório da Diretoria Industrial aponta índices de 1,24%. “As empresas mais bem posicionadas nos relatórios da consultoria Solomon mantêm esse índice abaixo de 3%”, destaca Carlos Diehl.

A empresa acaba de adotar um programa de “planejamento em seis semanas” – que define as tarefas com 42 dias de antecedência. Isso permite que os técnicos da manutenção corram atrás de todo material e mão-de-obra necessária e que a turma da operação programe suas interrupções com antecedência. Às sextas feiras, a Gerência de Manutenção solta um boletim com a programação de tarefas da próxima semana.





Pit stop

A avaliação do sucesso – ou fracasso – de uma parada de manutenção pode ser medida pela partida única – porque qualquer vazamento exige nova interrupção, despressurização e serviços que não estavam previstos. Mas a avaliação final tem como base mais de 300 itens – cada relatório acaba virando recomendação para os serviços das próximas paradas. Um exemplo simples, mas que pesou muito no resultado final da parada de manutenção foi o plano de movimentação de cargas: numa tela de CAD, os engenheiros da Quattor sabiam a posição que cada guindaste deveria ocupar ao longo dos dias – cada hora economizada em um dia representa um grande ganho para a empresa.
Todas as tarefas devem estar definidas com bastante antecedência – porque os esforços durante a execução da parada são inversamente proporcionais à sintonia afinada durante a etapa de planejamento. Qualquer imprevisto poderia comprometer toda a parada. “Executar tarefas simultaneamente faz parte da nossa vida, mas quando há várias tarefas ocorrendo consecutivamente e fisicamente na mesma área, o trabalho fica mais complexo”, conta a coordenadora de planejamento de manutenção Lívia Maria Ortiz.

Durante dois anos, a equipe da manutenção trabalhou em conjunto com a operação, segurança e engenharia no planejamento e preparativos. Semanalmente a coordenação da parada se reunia com a direção da petroquímica para apresentar o andamento do planejamento e os pontos de atenção do escopo. A exatamente um ano da data marcada, o escopo estava definido.

O Scope Challenge – ou desafio do escopo – foi um dos três pacotes contratados à Shell Global Solutions. Durante duas semanas uma equipe formada por técnicos e engenheiros da manutenção, operação, produção e consultores da Shell fizeram uma “operação pente fino” na lista de tarefas e redistribuíram pelo menos 10% das atividades para serem executadas fora da parada geral. “No Scope Challenge foram identificados se havia acúmulo de tarefas em uma mesma área física, que comprometeria a segurança das pessoas ou o cronograma. Em uma área verificamos que não seria possível executar tarefas no alto e ao nível do solo ao mesmo tempo, então algumas atividades foram reprogramadas para o pós-parada, em um momento em que reduzimos a produção” relatada Carlos Diehl.

O funil vai se estreitando nos três meses anteriores ao início da parada: com todos os contratos assinados e materiais adquiridos, começa a mobilização dos sete mil trabalhadores – como o treinamento e os exames médicos realizados para uma mão-de-obra que vem de outras paradas e com diferentes culturas.
Outra fase importante para o sucesso da parada foi a liberação operacional que ocorreu dentro do prazo previsto. “Para que este objetivo fosse alcançado, contratamos consultores externos que nos auxiliaram a identificar produtos para facilitar a descontaminação da área e pontos que eventualmente poderiam concentrar hidrocarbonetos”, conta Diehl.

A próxima parada da unidade de Químicos Básicos do ABC só acontecerá em 2014, porém em 2011, a empresa fará a parada geral de manutenção da unidade de Químicos Básicos DCX localizadas em Duque de Caxias / RJ. “Já definimos os fatores críticos de sucesso da parada e estamos com o planejamento em andamento. Até um ano antes da parada teremos todo o escopo definido”, finaliza Diehl.


Novas tecnologias aceleram inspeção na Quattor

Dezenas de sub-transdutores permitiram a varredura eletrônica em juntas soldadas. Normalmente esse tipo de inspeção, batizada de ultrassom phased array é feita para diagnosticar anomalias em 3D que o ultrassom convencional não consegue alcançar. Na Quattor, além de permitir auditorias à distância e relatórios em arquivo digital, a tecnologia, utilizada há um bom tempo pela medicina, rastreou, com maior precisão e em menor tempo, os trabalhos de soldagem. Enquanto os transdutores de ultra-som convencional apresentam apenas um cristal piezoelétrico, os transdutores Phased Array apresentam um arranjo de cristais que podem trabalhar individualmente – o que significa uma grande variedade de ângulos de inspeção.

Há técnicas com nomes ainda mais complexos – como a Saferad, a radiografia que utiliza área de isolamento com um raio menor que a convencional. “Numa parada complexa como esta, fica muito difícil a interrupção de muitas tarefas por um tempo longo para a realização da radiografia convencional”, conta Lívia Ortiz.

A engenheira destaca o teste hidrostático localizado. Nos equipamentos que tiveram bocais substituídos, o TH foi realizado apenas no bocal, o que permitiu um ganho no tempo para a identificação de algum defeito que poderia ter ocorrido durante o procedimento de soldagem e adicionalmente uma economia nos insumos necessários quando comparados ao TH convencional.

A integridade dos cabos do flare também foi verificada através de ensaios de emissão acústica.

Um profissional foi contratado para fazer a avaliação de integridade dos equipamentos e modelar geometricamente os defeitos encontrados – detectada uma fratura, a avaliação era realizada no mesmo momento, com cálculos de engenharia. Qualquer surpresa poderia comprometer todo o trabalho e até a “partida vertical” da planta.


Estudos de confiabilidade permitem redimensionar projetos

Entre redundância e confiabilidade, qual sua preferência? Os engenheiros que projetaram o sistema PSA – um conjunto de vasos e válvulas que tem como função purificar o hidrogênio na unidade geradora para envio ao hidrotratamento – da Refinaria Gabriel Passos escolheram a segunda alternativa. Mas a opção não foi feita no chute: teve um amplo estudo por trás, que consumiu três meses de pesquisas, modelagem e simulações. Trata-se de uma metodologia conhecida dentro da Petrobras por Value Improvement Practices - Vip, um conjunto das melhores técnicas de uma disciplina de engenharia específica como manutenção preditiva, confiabilidade ou construtibilidade, que é aplicado em um período específico da vida útil do empreendimento com objetivo de tornar as unidades produtivas mais eficientes.

A PSA da Regap ainda não entrou em operação. Mas a Vip de confiabilidade recomendou a instalação de válvulas que tenham, no mínimo, 99,93% de confiabilidade em três anos. Com isso, o projeto abre mão de uma linha de vaso e válvulas. “A partir da primeira vip na unidade de geração de hidrogênio, identificamos que a PSA era crítica. E fizemos uma vip de confiabilidade só para ela. Verificamos as melhores práticas nas refinarias da Petrobras que tinham esse mesmo sistema, pegamos dados de falhas de equipamentos e simulamos vários sistemas para comparar e definir índices de confiabilidade das válvulas e outros equipamentos”, conta o engenheiro de produção Eduardo Calixto, que esteve à frente do trabalho.

O objetivo de uma Vip de confiabilidade é encontrar as melhores práticas da engenharia, avaliar o histórico de falhas dos equipamentos e o desempenho da unidade produtiva em relação às metas de disponibilidade e eficiência em um período de campanha definido. A metodologia já foi adotada para avaliar a área de utilidades do Centro de Pesquisas da Petrobras – que terá um centro de processamento de dados integrado com alto requisito de disponibilidade – e em mais de 20 projetos e sistemas em operação em nas refinarias da companhia.

A pesquisa começa nos bancos de dados das unidades similares espalhadas pelo parque industrial da Petrobras. Todos os dados de falhas e tempos de reparos de equipamentos – sejam eles dinâmicos ou estáticos – servem de base para o estudo. “Quando iniciamos uma Vip, colhemos esses dados em unidades e equipamentos similares, tratamos estatisticamente e simulamos o processo para saber quais os equipamentos e subsistemas críticos”, explica Calixto.

O segundo passo dessa análise é modelar o sistema segundo a metodologia do diagrama de blocos, seguido de simulação, que descreve o comportamento do sistema ao longo do tempo. Tome como exemplo esse projeto da Regap: em outra PSA da mesma refinaria, a cada problema com uma válvula, um vaso parava de operar. Quando chegou a hora de instalar mais uma unidade geradora de hidrogênio – que servirá à HDT de gasolina que está sendo montada – a opção mais obvia seria instalar uma linha extra de vasos e válvulas. A Vip mostrou o contrário: aumentando o requisito de confiabilidade das válvulas, o projeto manteria as quatro linhas. As válvulas que serão instaladas seguem os requisitos de confiabilidade de outra PSA, instalada na RPBC.

A metodologia em si não é nova, mas um avanço da conhecida Análise RAM – de Reliability, Availability and Mantainability – e já teve a chance de ser validada em outros projetos, como a Vip de confiabilidade feita em uma unidade de destilação da Rlam: o estudo para subsidiar melhorias no aumento de capacidade apontou que o forno (que poderia apresentar problema nos queimadores) e a torre (com riscos de corrosão) eram equipamentos críticos. “Um upgrade da Vip de Confiabilidade é a Análise RAM+L, que foi desenvolvida para avaliar várias unidades de produção juntas, contemplando tanto a confiabilidade quanto a logística”, conta o engenheiro.

No Cenpes, a metodologia foi utilizada para avaliar a eficácia das políticas de manutenção dos subsistemas. “Reavaliamos todas as nossas políticas de manutenção, para verificar qual o impacto que elas terão na disponibilidade e nos níveis de estoque”, finaliza Calixto.

 

LEIA MATÉRIA NA ÍNTEGRA NA EDIÇÃO IMPRESSA

Assine já!

Na Edição impressa
  Petróleo & Gás
Ritmo exploratório do pré-sal depende de capacidade da cadeia fornecedora
  Excelência sustentável
Indústrias incorporam iniciativas de consumo eficiente
  Retrospectiva
Novas tecnologias apresentadas na Rio Pipeline atraem número recorde de congressistas

Todos os direitos reservados a Valete Editora Técnica Comercial Ltda. Tel.: (11) 2292-1838