MATÉRIA DE CAPA – Edição 252 - Setembro de 2003
Rumo à auto-suficiência
por Flávio Bosco

A produção brasileira de petróleo cresce a uma média de 10% ao ano, desde 1997. Em breve, a Petrobras estará produzindo tanto petróleo quanto o Brasil necessita. Já este ano, a média diária de produção no Brasil é de 1,5 milhão de barris de petróleo para um consumo de 1,8 milhão de barris/dia. Em 2006, a produção deverá atingir a casa dos 1,9 milhão de barris diários.

O aumento na produção interna muda o panorama nacional. Os municípios e Estados brasileiros contemplados com royalties começam a colher frutos de uma nova realidade. No Rio de Janeiro, se formam “os Emirados Fluminenses” por conta da produção na Bacia de Campos.

A regulamentação da indústria de petróleo e gás natural institui um conjunto de mudanças de caráter técnico-administrativo e a redefinição no papel do Estado. De produtor e provedor, o Estado passa para regulador e fiscalizador. Acarretou, ainda, o aumento da arrecadação da União, Estados, Municípios através dos royalties e participação especial. Antes da aprovação da Lei 9.478/97, a arrecadação era de cerca de R$ 194 milhões, em 1997. Com as alterações promovidas pela ANP, a arrecadação atingiu valores de R$ 2,9 bilhões, em 2000.

Desde 1999, quando teve início a abertura do setor de petróleo no Brasil, 38 novas empresas passaram a atuar no país, das quais apenas 9 brasileiras. Entre as estrangeiras estão desde as gigantes Shell, ExxonMobil e ChevronTexaco, até companhias independentes, como a Newfield e Maersk. Das nacionais, figuram empresas que já prestavam algum tipo de serviço à Petrobras – como a Marítima, Queiroz Galvão e a Starfish. Até hoje, 12 companhias comunicaram descobertas de óleo ou gás à Agência Nacional do Petróleo.

A primeira empresa estrangeira a produzir em grande escala no Brasil foi a Shell, em agosto deste ano. Os campos localizados na Bacia de Campos fazem parte de uma parceria realizada entre a Petrobras e a Entreprise – empresa que acabou sendo adquirida pela Shell. Antes da Shell, as únicas companhias estrangeiras a produzir no Brasil foram a Devon Energy, e a UP Petróleo, subsidiária da americana Anadarko. Das brasileiras, a Starfish iniciou a produção, também em parceria com a Petrobras, na Bacia de Santos.

“Quem mais se beneficiou da abertura de mercado foi a Petrobras. A empresa aumentou sua relação reserva/mercado”, lembra David Zylberstajn.

Em um cenário de abertura, a Petrobras teria que repensar seu papel. A estratégia seria a atuação integrada e a internacionalização. Com uma produção de petróleo que passa de 1,5 milhão de barris por dia, um parque de refino capaz de processar 1,8 milhão de barris por dia, além de ativos em distribuição, transporte, petroquímica e geração de energia, a Petrobras pensa agora em avançar no mercado externo, onde já está presente em oito países.

Três áreas são prioritárias: Costa Oeste da África, Golfo do México e América Latina. O maior exemplo dessa estratégia é a Argentina, onde adquiriu 58% das ações da Perez Companc e a Santa Fé, além de firmar contrato de troca de ativos com a Repsol YPF.

“A Petrobras precisava ter uma presença mais internacional, e acabou conquistando isso. Compraram a Perez Companc na Argentina. Eu ajudei falando com o presidente Duhalde muitas vezes para poder realizar o negócio”, conta o presidente Fernando Henrique Cardoso.

Na Bolívia, por exemplo, passados sete anos do início das atividades exploratórias no campo de San Alberto, a Petrobras faz mais do que produzir gás natural, refinar petróleo ou comercializar derivados: os investimentos na área social alcançaram os US$ 1,3 milhões. No país, a companhia brasileira tem uma presença marcante no apoio à educação, saúde, cultura e meio ambiente. No departamento de Tarija – onde estão localizados dois campos concedidos à Petrobras – já foram patrocinadas a construção de oito escolas para a comunidade, reforma da única maternidade local e eletrificação rural.

Com um faturamento que deve atingir US$ 1 bilhão em 2002, a Petrobras é a maior empresa do país, respondendo por cerca de 12% do Produto Interno Bruto da Bolívia. Nada mal para quem arcou com todos os investimentos iniciais de um projeto de risco – nem mesmo geólogos como Carlos Walter Campos, desbravador da Bacia de Campos, acreditavam que pudesse existir gás na cadeia de montanhas bolivianas.

Essas ações são frutos da redefinição estratégica imposta pelo presidente da companhia, Henri Philippe Reichstul, nomeado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Um novo modelo organizacional é implantado, com a criação de quatro áreas de negócio – E&P, Abastecimento, Gás & Energia e Internacional – e mais duas áreas de apoio – Financeira e Serviços. ADR’s da Petrobras são lançadas na Bolsa de Nova York.

“Todo o mundo sabe que a Petrobras é líder mundial em capacitação de águas profundas. E agora está se transformando em uma empresa. Com a abertura de mercado, se a companhia não se capacitasse na área de negócios, não poderia sobreviver à competição. Hoje ela tem as duas bases: está tecnicamente preparada e sabe fazer do petróleo um negócio”, comenta Álvaro Teixeira.

A divisão da empresa em 40 unidades corporativas suscita dúvidas sobre a privatização da companhia. “Collor vendeu os ativos na petroquímica, acabou com a Petromisa e a Interbras. Agora dividiram a Petrobras em 40 unidades de negócio, prevendo transformá-las em subsidiárias e privatizar – começaram fazendo isso com a Refap”, conta o presidente da Aepet, Fernando Siqueira.
“A Petrobras tinha que se comportar como uma empresa, mas nunca apoiei a idéia de privatizá-la”, afirma o ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso.

O resultado apresentado no ano 2000 seria o maior de sua história: um lucro líquido de R$ 9.942 milhões. No ranking das dez maiores petroleiras do mundo, a Petrobras ocupou o sexto lugar.

Já naquele ano, a produção brasileira ultrapassa a marca de 1,5 milhão de barris diários; 40% desse volume vem do campo de Marlim. No ano seguinte, a Petrobras receberia o OTC Distinguished Achievement Award, desta vez em reconhecimento à produção no campo de Roncador, a 1853 metros de profundidade.

Em busca de novas descobertas, a Petrobras lança o Procap 3000, para viabilizar a produção em lâminas d’água superiores a três mil metros.

Mas a gestão de Reichstul acabou arranhada por acidentes: em 2000, o rompimento de um duto do terminal da Ilha d’Água provoca o vazamento de 1 milhão de litros de óleo na Baia da Guanabara / RJ. Meses depois, outro vazamento, desta vez na Repar, espalha 4 milhões de litros de óleo no rio Iguaçu / PR.

Também a tentativa frustrada de alterar o nome fantasia da empresa para Petrobrax até hoje é criticada. Em 2001, a explosão ocorrida na plataforma P-36, que operava na Bacia de Campos em 2001, é o mais trágico da história da empresa.

Nesse cenário a Petrobras elabora o projeto Pegaso – o mais ambicioso programa de gestão ambiental, saúde e segurança já desenvolvido por uma companhia petrolífera em todo o mundo, orçado em US$ 1 bilhão.

Fomento

É também neste momento que surge a Organização Nacional da Indústria do Petróleo – Onip, com a bandeira da cooperação para melhor competir. Criada com base em estudo realizado sob encomenda da Agência Nacional de Petróleo que recomendou a criação de um órgão de fomento à indústria de petróleo e gás, a Onip segue no caminho de promover maior participação dos fornecedores locais de bens e serviços nos projetos de investimento no setor.

O novo século traz também na bagagem do setor de petróleo novidades que podem enxertar um ciclo de desenvolvimento da pesquisa científica e tecnológica do país. Os fundos setoriais, criados pelo Governo Federal, visavam a injeção de R$ 4,5 bilhões até 2005 no setor de pesquisa científica e tecnológica.

Projetos audaciosos são desenvolvidos no âmbito do CTPetro – como o tanque oceânico projetado pela Coppe / UFRJ para realizar ensaios de equipamentos e impactos usados nas atividades de produção de petróleo e gás offshore.

David Zylberstajn cita os benefícios dos royalties advindos da produção de petróleo sobre o Rio de Janeiro e os Estados da região Nordeste. “O país ganhou como nunca. Se tirar a indústria do petróleo do Rio de Janeiro, o Estado entra em decadência”.

A participação da indústria do petróleo no Produto Interno Bruto do país serve como termômetro: até 1997, o setor era responsável por 2,7% do PIB. Em 2000, essa participação chegou a 5,4% do PIB.

Setor petroquímico inicia reestuturação

Passados dez anos do start do processo de privatização do setor petroquímico nacional, a Petrobras continua com importância fundamental – talvez até mais agora, depois da aquisição da Perez Companc, o que reforçou sua posição no mercado petroquímico: no pacote de ativos da empresa, estão a Innova, além da Petroquímica Argentina S.A. – Pasa, produtora integrada de resinas com plantas em San Lorenzo e Zárate, e 40% da Petroquímica Cuyo, produtora de polipropileno, em Buenos Aires.

Depois do processo de privatização, a participação da Petroquisa na segunda geração limitava-se a uma parcela da Petroquímica Triunfo. Agora, além das participações na Braskem, a subsidiária também garantiu importante parcela na Rio Polímeros – sem contar as participações na Copesul e Petroquímica União.

Para alcançar uma posição relevante no mercado de poliolefinas – que vá além do papel de fornecedor de matérias-primas – o primeiro passo será definir a carteira de projetos segundo essa estratégia.

Petroquisa à parte, a Braskem e a Rio Polímeros são os dois ícones da nova fase vivida pelo setor petroquímico nacional: operação integrada reunindo central de matérias-primas com a produção de resinas visando a competitividade em relação à petroquímica internacional. A primeira surgiu oficialmente há pouco mais de seis meses, a partir da fusão de ativos petroquímicos dos grupos Odebrecht e Mariani. E a Rio Polímeros já nasce dentro dessa nova concepção, integrando a produção de eteno com a produção de polietilenos.

Não que a indústria petroquímica nacional tivesse nascido em bases errôneas –pelo contrário, o modelo societário tripartite, na década de 1970, embora diferente do praticado nos outros países, foi a melhor opção para a consolidação do setor no Brasil. Juntando, no mesmo projeto, o Estado –representado pela Petrobras – com o capital privado nacional e o capital estrangeiro, foi possível realizar, num curto prazo, vultosos investimentos que resultaram em três pólos petroquímicos no país.

O problema veio com o processo de privatização. O modelo decorrente da alienação dos ativos pertencentes à Petrobras resultou em um emaranhado de participações que reunia, em um mesmo negócio, sócios com interesses estratégicos distintos –o que não contribuiu para a elevar as empresas do setor à condição de players internacionais.

Hoje, a preocupação do setor é compor estruturas integradas entre a primeira e a segunda geração petroquímica, a exemplo do que acontece nos EUA e Oriente Médio. E também equacionar os cruzamentos societários –que, mesmo com a integração, tem colocado empresas no papel de fornecedoras de matérias-primas e concorrentes ao mesmo tempo. Tudo isso para viabilizar o crescimento do parque petroquímico nacional e enfrentar, em pé de igualdade, a concorrência internacional.

Em leilão realizado em julho de 2001, o Grupo Odebrecht arrematou a participação de 23,73% que o Banco Econômico possuía na Conepar – e na Copene – dando um passo para a dissolução da complexa composição societária das empresas do setor e criando uma petroquímica de classe mundial – a Braskem.
O assunto também está em pauta na Unipar, que articula a integração da Petroquímica União com as empresas de segunda geração instaladas em Mauá / SP –o mais bem localizado e rentável dos três pólos petroquímicos do país.

O complexo Gás Químico do Rio de Janeiro já nasce com outra concepção empresarial, integrando a primeira e segunda geração em uma única empresa, com participação societária de duas empresas privadas – Unipar e Suzano – mais a Petrobras e o BNDES.

Outra novidade é a entrada do gás natural nos novos projetos petroquímicos nacionais. Até o início dos anos 80, a produção nacional não justificava um investimento em um complexo petroquímico que utilizasse o gás natural como matéria prima, e que fosse competitivo. Nesse cenário, três centrais petroquímicas foram construídas, todas baseadas em nafta.

A exploração na Bacia de Campos trouxe novas perspectivas: já no final da década de 1980, não só o volume, mas também os prognósticos da produção, permitiram os primeiros estudos de viabilidade de um complexo baseado em gás – o teor de etano contido no gás natural produzido na Bacia ultrapassa 9%.

Paralelamente, devido a ampliações nas centrais já existentes, o mercado apontava oportunidades na linha de olefinas – principalmente em polietilenos. “O volume de gás justificava, e o mercado apontava para a linha dos polietilenos. Com isso, o projeto teve movimento para sensibilizar os investidores”, conta o superintendente da Rio Polímeros, Roberto Villa.

Empreendimento de US$ 1,08 bilhão, a Rio Polímeros contempla a implantação de um complexo industrial destinado à produção de 540 mil toneladas anuais de polietilenos

Atualmente, a petroquímica representa 60% da indústria química do País – que é responsável por 4% do PIB. O Brasil produz 2,5 milhões de toneladas de eteno, o que representa 3% da produção mundial.

Ed. 252 - setembro de 2003
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