Passados a queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética,
a década de 1990 começa com mais uma crise no mercado
do petróleo quando, em uma tentativa frustrada, o Iraque
tenta anexar o Kwait e é derrotado na Guerra do Golfo pelos
EUA. O exército de Saddam Hussein chegou a bombardear os
poços de petróleo kwaitianos antes da retirada. Por
conta dessa história uma grande especulação
fez com que o preço do barril oscilasse violentamente, passando
os preços internacionais do petróleo a sofrer uma
forte alta pontual. Mas, assim como a guerra, a crise também
foi rápida e não deixou grandes estragos como as anteriores.
Seguiu-se um período de estabilidade e crescimento.
A característica principal dessa década é a
transformação do petróleo numa verdadeira commodity
os fatores de mercado passaram a ser preponderantes na formação
de preço em detrimento das questões de natureza política.
Além disso, o início da década é marcado
por uma queda nos investimentos em exploração, e pela
queda da produção do Bloco Soviético que foi
compensada pelo aumento da produção da Arábia
Saudita. Também se pode destacar a mudança no perfil
de demanda do petróleo em função de exigências
ambientais, quando os petróleos leves passam a ser mais valorizados.
Até 1994, o petróleo apresenta uma trajetória
de queda. A partir daquele ano, os níveis de preço
são parcialmente recuperados, oscilando entre US$ 18 e US$
25 o barril, até 1996. Em 1997, o preço volta a cair,
chegando a atingir US$ 10 em 1998 motivado agora pelo desaquecimento
da economia mundial.
No mundo começam a surgir alianças estratégicas
entre empresas estatais e privadas, privatizações,
além do boom do movimento de fusões entre
as empresas do setor, ocorrido após 1998. É o caso
da Exxon com a Mobil; a BP com a Amoco e, posteriormente, com a
Arco; a da Repsol com a argentina YPF; as francesas Elf e Total
e, já em outubro de 2000, entre a Chevron e a Texaco, criando
as maiores empresas de petróleo do mundo.
Na área petroquímica, a Dow dá grandes saltos
no fim da década, adquirindo a Union Carbide e investindo
no setor petroquímico argentino.
Também o Brasil viu distribuidoras internacionais entrarem
no mercado, como a Agip, e aquisições como a operação
envolvendo o Grupo Ipiranga e a Atlantic.
Recorde verde-amarelo
Sensoriamento remoto, poços horizontais, robótica
submarina, produção em águas ultraprofundas.
Considerada a empresa que mais contribuiu, em nível mundial,
para o desenvolvimento tecnológico da indústria do
petróleo no mar, a Petrobras alcança, na década
de 1990, o posto de empresa líder mundial em exploração
em águas profundas.
Em 1992, a companhia recebeu o OTC Distinguished Achievement Award,
o mais importante prêmio da indústria do petróleo,
na Offshore Technology Conference, em reconhecimento internacional
à tecnologia na produção até os dois
mil metros de profundidade. Hoje o mundo inteiro sabe que
a Petrobras é líder mundial em capacitação
de águas profundas. Isso é reconhecido e respeitado
internacionalmente, comenta o secretário-geral do IBP,
Álvaro Teixeira.
O fato foi mais um incentivo para a empresa prosseguir o desenvolvimento
tecnológico para exploração e produção
em águas profundas onde estão 72% das reservas
brasileiras. Naquele ano, a Petrobras dava início ao Procap
2000, visando a capacitação para lâminas dágua
situadas entre 1.000 e 2.000 metros. Dois anos depois, bateu o recorde
mundial com produção em lâmina dágua
de 1.027 metros.
E, em 1994, entra em operação, no campo de Marlim,
a P-18, plataforma semi-submersível totalmente desenvolvida
por técnicos da Petrobras.
Em 1997, a empresa ingressa no selecionadíssimo grupo dos
16 países que produzem mais de um milhão de barris
de petróleo por dia. Um ano depois, a pesquisa divulgada
pela Petroleum Intelligence Weekly situa a Petrobras como a 14ª
maior empresa de petróleo do mundo e a sétima
entre as empresas de capital aberto.
A Petrobras supera, em 1998, a marca de 1,2 milhões de barris
diários 940 mil dos quais produzidos na Bacia de Campos.
No período 1995-1999 o Brasil apresenta taxas de reposição
do petróleo de 338%. Os tradicionais produtores ficaram muito
abaixo deste percentual: México (18%), Inglaterra (21%),
Noruega (39%) e Omã (29%). A estratégia em busca da
auto-suficiência está traçada.
Mas os desafios impostos ao Cenpes não se limitavam à
produção offshore. O aumento do fator de recuperação
das jazidas, a adequação do parque de refino ao perfil
da demanda nacional e a formulação de produtos de
melhor qualidade merecem especial atenção dos pesquisadores
da companhia.
Já em 1995, surge uma outra discussão: a necessidade
da instalação de uma nova refinaria no país.
O então presidente da Petrobras, Joel Rennó, determina
a realização de estudos para instalação
de uma unidade na região Nordeste. Quatro Estados se candidatam
a decisão final, no entanto, não foi tomada
até hoje.
Fim do monopólio
A indústria de petróleo e gás, após
décadas de monopólio exercido por intermédio
da Petrobras, ingressa em uma nova etapa com a Emenda Constitucional
nº 9, de 1995. Esta Emenda confirma a União como detentora
do monopólio tal como definido no Artigo 177 da Constituição.
Permite, porém, que empresas públicas ou privadas
possam participar da cadeia de petróleo no país. A
regulamentação dessas mudanças entra em discussão
no Congresso Nacional até que, em 1997 o governo regulamenta
a Lei nº 9478/97, que disciplina a abertura à participação
direta do setor privado, em todos os elos da cadeia produtiva.
A complementação do novo quadro institucional veio
com a instalação, em 1998, do Conselho Nacional de
Política Energética como órgão
formulador da política pública de energia e
da Agência Nacional do Petróleo, com amplas atribuições
de regulação, contratação e fiscalização
das atividades no setor de petróleo e gás natural,
agora num regime de livre iniciativa. A idéia de criar
a Agência Nacional do Petróleo era ter um agente público
com dois objetivos principais: fazer com que as empresas sirvam
ao público e garantir os contratos, para quem investe ter
garantias que não vá depois ser ludibriado,
conta o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que conduziu a
regulação do setor.
O monopólio permanece com a União, que dava
a outras empresas a possibilidade de explorar petróleo em
seu subsolo, lembra David Zylberstajn, primeiro diretor geral
da ANP.
Tendo como argumento o controle do petróleo, a Aepet defende
a volta do monopólio. No momento que estamos vendendo
áreas, e a lei permite a propriedade para quem produzir,
estaremos permitindo que as empresas estrangeiras produzam petróleo
e levem embora. Estrategicamente isso é um desastre, porque
vamos ficar sem um energético estratégico e difícil
de ser substituído. A única forma de manter o petróleo
sob controle dos brasileiros é restabelecendo o monopólio,
alerta o presidente da entidade, Fernando Siqueira.
A Petrobras assina os primeiros acordos de parceria com outras empresas
privadas para exploração de petróleo, e obtém
397 concessões em blocos exploratórios, de desenvolvimento
e produção na chamada Rodada Zero. No ano seguinte,
a ANP iniciaria o leilão de áreas para exploração
de petróleo e gás.
Ainda em 1998, seria criada a subsidiária Transpetro, voltada
a operação de dutos, terminais e embarcações
para transporte e armazenamento de óleo, gás e derivados.
A Petrofertil, que dois anos antes tinha seu estatuto modificado
de forma a permitir sua atuação no segmento do gás
natural, passava a se chamar Gaspetro.
A descoberta do gás
O crescimento da descoberta de gás natural muda o panorama
do setor, num momento crítico, que acontece quase no final
da década: a previsão de que, em 1999, haveria problemas
de escassez de energia elétrica no Brasil. Com isso, a energia
proveniente do gás natural ganhou importância para
o desenvolvimento sustentado do País como fonte alternativa
de oferta. A implantação de usinas termelétricas
nas extremidades da malha elétrica que, estrategicamente
colocadas, aproveitem as linhas de transmissão existentes,
passaram a ser uma excelente alternativa de curto prazo.
Além da produção de gás natural existente
na Bacia de Campos e na Foz do Amazonas, o Governo Federal firmou,
em 1993, contrato com a Bolívia para a construção
de um gasoduto que transportasse o insumo produzido naquele país.
A construção do Gasoduto Bolívia Brasil é
iniciada em 1997 e concluída em 1999.
O preço do gás e o insucesso do Programa Prioritário
de Termeletricidade frustraram as expectativas iniciais. O Governo
e o setores de petróleo, gás e energia voltariam várias
vezes à mesa para rediscutir as estratégias de introdução
do insumo na matriz energética.
Privatização
Dois episódios diretamente ligados à Petrobras marcam
o Governo de Fernando Collor: a reforma administrativa que visava
o enxugamento da máquina do Estado e a contenção
dos gastos públicos que determinaria a extinção
da Interbras e da Petromisa e a alienação dos ativos
da Petroquisa além de denúncias de operações
lesivas à companhia.
O ex-presidente da Petrobras, Luis Octávio da Motta Veiga,
confirmou, em depoimento ao STF, ter sido pressionado por Paulo
César Farias por um empréstimo em dinheiro para a
Vasp no valor de US$ 40 milhões. Depois que a Petrobras negou
o empréstimo, Motta Veiga teve dificuldades no relacionamento
com a área econômica do Governo, principalmente em
relação a reajuste de preços de combustíveis,
até que pediu exoneração. De acordo com o ex-presidente
Fernando Collor, a acusação não passava de
uma retaliação de Motta Veiga, por ter sido demitido
por insubordinação.
Logo nos primeiros meses de governo, o decreto 99.226 extingue a
Interbras, a Petromisa e o Conselho Nacional do Petróleo.
Não havia nenhuma razão para fechar a Interbras,
era uma subsidiária lucrativa. O governo, através
da Petrobras, apoiou os exportadores brasileiros para conquistar
mercado no Oriente Médio, principalmente em países
exportadores de petróleo: como éramos grandes compradores
de petróleo, éramos bem recebidos. Fizemos várias
operações de troca daquilo que temos condições
de produzir e exportar. Hoje, se a Interbras continuasse existindo,
na reconstrução do Iraque, a Petrobras já estaria
lá, com as empresas de engenharia, avalia Ueki.
Entre as diretrizes do Consenso de Washington estava a desnacionalização
do petróleo, tudo isso que hoje está acontecendo e
que virou a diretriz básica do Plano Collor. A linha do neoliberalismo
veio dessa rodada. O Plano Real foi a retomada do Plano Collor,
conta Fernando Siqueira.
A alienação das participações societárias
da Petroquisa nas empresas petroquímicas, promovida nos anos
seguintes, abriu espaço para o emaranhado que marcou o setor:
empresas de segunda geração foram as principais compradoras
dos ativos, de forma a garantir o suprimento de matérias-primas.
Como conseqüência, o inevitável conflito causado
pela presença de grupos concorrentes, com interesses distintos,
no capital de uma mesma central petroquímica.
A brusca redução de barreiras aduaneiras numa época
de recessão mundial também comprometeu a rentabilidade
da indústria nacional.
Até que, no final da década, começaram os movimentos
dos players por uma reestruturação do setor petroquímico,
visando a integração entre a primeira e a segunda
geração, com controle restrito a, no máximo,
dois grupos privados.
Petrobras e petroleiros
A história dos trabalhadores da Petrobras foi marcada por
intensa atividade haja visto as mobilizações
da Aepet, Associação dos Engenheiros da Petrobras
e dos vários sindicatos dos petroleiros.
Um dos marcos na história da Petrobras e dos sindicatos foi
a greve desencadeada em 1983 pelos trabalhadores da Replan
que contou com a adesão dos petroleiros da Rlam e de cerca
de 50 mil metalúrgicos do ABC. A comissão de negociação
contou até com o então dirigente do Sindicato dos
Metalúrgicos, Luis Inácio Lula da Silva.
No dia 16 de junho, 35 entidades sindicais e associações
de funcionários públicos aprovam o estado de greve,
em protesto contra o Decreto-Lei 2.025, que extinguia todos os benefícios
dos empregados das empresas estatais.
No dia 29 de junho, o presidente João Batista Fiqueiredo,
assinou um novo decreto, nº 2.036, atacando diretamente os
direitos dos funcionários das estatais, acabando com o abono
de férias, as promoções, os auxílios
alimentação e transporte, o salário adicional
anual e a participação nos lucros. Menos de uma semana
depois, os trabalhadores do turno da noite da Replan entram em greve.
A greve se alastrou, atingindo a Rlam. Os metalúrgicos, químicos
e trabalhadores em transporte do ABC paulista também param.
Era o estopim para a primeira greve geral no Brasil decretada após
o golpe militar de 1964, e que parou o país no dia 21 de
julho de 1983. Ainda em 1986 e em 1989, vários trabalhadores
da Petrobras aderem às greves gerais convocadas pela CUT.
Em 1991, os petroleiros voltam a fazer greve desta vez de
24 dias, exigindo da Petrobras a reposição das perdas
e reajustes salariais. Três anos depois, a categoria entraria
em greve duas vezes, com adesão em todo o país.
A greve nacional dos petroleiros, em maio de 1995, representou a
luta contra a quebra do monopólio. O movimento durou 32 dias
o mais longo da história do sindicalismo brasileiro.
Os petroleiros iniciaram a greve em 3 de maio, junto com os trabalhadores
das outras empresas estatais e os funcionários públicos,
em um movimento unificado contra o arrocho salarial e as reformas
constitucionais impostas pelo Governo Federal. O movimento unificado
foi perdendo força e os petroleiros acabaram sustentando
a greve sozinhos, com mais de 90% da categoria de braços
cruzados.
Na Bacia de Campos, um poço de petróleo era fechado
a cada 12 horas, reduzindo-se gradativamente a produção
para a indústria, mas preservando o abastecimento à
população. No dia 9 de maio, o TST julgou a greve
abusiva. O Governo joga duro com os grevistas que não
conseguem apoio da opinião pública. Tropas do exército
são mobilizadas para garantir a segurança nas refinarias.
A direção da Petrobras cortou o salário dos
grevistas. Novamente o TST julgou a greve abusiva, no dia 26 de
maio. O Tribunal impôs multas milionárias aos sindicatos
e à FUP R$ 100 mil diários para cada dia não
trabalhado. A Petrobras demitiu 59 petroleiros. Uma frente parlamentar
foi formada com o compromisso de intermediar a reabertura das negociações
com a Petrobras, em nome do Congresso. No dia seguinte, a FUP indicou
o fim da greve.
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