MATÉRIA DE CAPA – Edição 252 - Setembro de 2003
Uma nova ordem mundial
por Flávio Bosco
P-18: totalmente desenvolvida por técnicos da Petrobras

Passados a queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética, a década de 1990 começa com mais uma crise no mercado do petróleo quando, em uma tentativa frustrada, o Iraque tenta anexar o Kwait e é derrotado na Guerra do Golfo pelos EUA. O exército de Saddam Hussein chegou a bombardear os poços de petróleo kwaitianos antes da retirada. Por conta dessa história uma grande especulação fez com que o preço do barril oscilasse violentamente, passando os preços internacionais do petróleo a sofrer uma forte alta pontual. Mas, assim como a guerra, a crise também foi rápida e não deixou grandes estragos como as anteriores. Seguiu-se um período de estabilidade e crescimento.

A característica principal dessa década é a transformação do petróleo numa verdadeira commodity – os fatores de mercado passaram a ser preponderantes na formação de preço em detrimento das questões de natureza política. Além disso, o início da década é marcado por uma queda nos investimentos em exploração, e pela queda da produção do Bloco Soviético que foi compensada pelo aumento da produção da Arábia Saudita. Também se pode destacar a mudança no perfil de demanda do petróleo em função de exigências ambientais, quando os petróleos leves passam a ser mais valorizados.

Até 1994, o petróleo apresenta uma trajetória de queda. A partir daquele ano, os níveis de preço são parcialmente recuperados, oscilando entre US$ 18 e US$ 25 o barril, até 1996. Em 1997, o preço volta a cair, chegando a atingir US$ 10 em 1998 – motivado agora pelo desaquecimento da economia mundial.

No mundo começam a surgir alianças estratégicas entre empresas estatais e privadas, privatizações, além do “boom” do movimento de fusões entre as empresas do setor, ocorrido após 1998. É o caso da Exxon com a Mobil; a BP com a Amoco e, posteriormente, com a Arco; a da Repsol com a argentina YPF; as francesas Elf e Total e, já em outubro de 2000, entre a Chevron e a Texaco, criando as maiores empresas de petróleo do mundo.

Na área petroquímica, a Dow dá grandes saltos no fim da década, adquirindo a Union Carbide e investindo no setor petroquímico argentino.

Também o Brasil viu distribuidoras internacionais entrarem no mercado, como a Agip, e aquisições como a operação envolvendo o Grupo Ipiranga e a Atlantic.

Recorde verde-amarelo

Sensoriamento remoto, poços horizontais, robótica submarina, produção em águas ultraprofundas. Considerada a empresa que mais contribuiu, em nível mundial, para o desenvolvimento tecnológico da indústria do petróleo no mar, a Petrobras alcança, na década de 1990, o posto de empresa líder mundial em exploração em águas profundas.

Em 1992, a companhia recebeu o OTC Distinguished Achievement Award, o mais importante prêmio da indústria do petróleo, na Offshore Technology Conference, em reconhecimento internacional à tecnologia na produção até os dois mil metros de profundidade. “Hoje o mundo inteiro sabe que a Petrobras é líder mundial em capacitação de águas profundas. Isso é reconhecido e respeitado internacionalmente”, comenta o secretário-geral do IBP, Álvaro Teixeira.

O fato foi mais um incentivo para a empresa prosseguir o desenvolvimento tecnológico para exploração e produção em águas profundas – onde estão 72% das reservas brasileiras. Naquele ano, a Petrobras dava início ao Procap 2000, visando a capacitação para lâminas d’água situadas entre 1.000 e 2.000 metros. Dois anos depois, bateu o recorde mundial com produção em lâmina d’água de 1.027 metros.

E, em 1994, entra em operação, no campo de Marlim, a P-18, plataforma semi-submersível totalmente desenvolvida por técnicos da Petrobras.

Em 1997, a empresa ingressa no selecionadíssimo grupo dos 16 países que produzem mais de um milhão de barris de petróleo por dia. Um ano depois, a pesquisa divulgada pela Petroleum Intelligence Weekly situa a Petrobras como a 14ª maior empresa de petróleo do mundo – e a sétima entre as empresas de capital aberto.

A Petrobras supera, em 1998, a marca de 1,2 milhões de barris diários – 940 mil dos quais produzidos na Bacia de Campos. No período 1995-1999 o Brasil apresenta taxas de reposição do petróleo de 338%. Os tradicionais produtores ficaram muito abaixo deste percentual: México (18%), Inglaterra (21%), Noruega (39%) e Omã (29%). A estratégia em busca da auto-suficiência está traçada.

Mas os desafios impostos ao Cenpes não se limitavam à produção offshore. O aumento do fator de recuperação das jazidas, a adequação do parque de refino ao perfil da demanda nacional e a formulação de produtos de melhor qualidade merecem especial atenção dos pesquisadores da companhia.

Já em 1995, surge uma outra discussão: a necessidade da instalação de uma nova refinaria no país. O então presidente da Petrobras, Joel Rennó, determina a realização de estudos para instalação de uma unidade na região Nordeste. Quatro Estados se candidatam – a decisão final, no entanto, não foi tomada até hoje.

Fim do monopólio

A indústria de petróleo e gás, após décadas de monopólio exercido por intermédio da Petrobras, ingressa em uma nova etapa com a Emenda Constitucional nº 9, de 1995. Esta Emenda confirma a União como detentora do monopólio – tal como definido no Artigo 177 da Constituição. Permite, porém, que empresas públicas ou privadas possam participar da cadeia de petróleo no país. A regulamentação dessas mudanças entra em discussão no Congresso Nacional até que, em 1997 o governo regulamenta a Lei nº 9478/97, que disciplina a abertura à participação direta do setor privado, em todos os elos da cadeia produtiva.

A complementação do novo quadro institucional veio com a instalação, em 1998, do Conselho Nacional de Política Energética – como órgão formulador da política pública de energia – e da Agência Nacional do Petróleo, com amplas atribuições de regulação, contratação e fiscalização das atividades no setor de petróleo e gás natural, agora num regime de livre iniciativa. “A idéia de criar a Agência Nacional do Petróleo era ter um agente público com dois objetivos principais: fazer com que as empresas sirvam ao público e garantir os contratos, para quem investe ter garantias que não vá depois ser ludibriado”, conta o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que conduziu a regulação do setor.

“O monopólio permanece com a União, que dava a outras empresas a possibilidade de explorar petróleo em seu subsolo”, lembra David Zylberstajn, primeiro diretor geral da ANP.

Tendo como argumento o controle do petróleo, a Aepet defende a volta do monopólio. “No momento que estamos vendendo áreas, e a lei permite a propriedade para quem produzir, estaremos permitindo que as empresas estrangeiras produzam petróleo e levem embora. Estrategicamente isso é um desastre, porque vamos ficar sem um energético estratégico e difícil de ser substituído. A única forma de manter o petróleo sob controle dos brasileiros é restabelecendo o monopólio”, alerta o presidente da entidade, Fernando Siqueira.

A Petrobras assina os primeiros acordos de parceria com outras empresas privadas para exploração de petróleo, e obtém 397 concessões em blocos exploratórios, de desenvolvimento e produção – na chamada Rodada Zero. No ano seguinte, a ANP iniciaria o leilão de áreas para exploração de petróleo e gás.

Ainda em 1998, seria criada a subsidiária Transpetro, voltada a operação de dutos, terminais e embarcações para transporte e armazenamento de óleo, gás e derivados. A Petrofertil, que dois anos antes tinha seu estatuto modificado de forma a permitir sua atuação no segmento do gás natural, passava a se chamar Gaspetro.

A descoberta do gás

O crescimento da descoberta de gás natural muda o panorama do setor, num momento crítico, que acontece quase no final da década: a previsão de que, em 1999, haveria problemas de escassez de energia elétrica no Brasil. Com isso, a energia proveniente do gás natural ganhou importância para o desenvolvimento sustentado do País como fonte alternativa de oferta. A implantação de usinas termelétricas nas extremidades da malha elétrica que, estrategicamente colocadas, aproveitem as linhas de transmissão existentes, passaram a ser uma excelente alternativa de curto prazo.

Além da produção de gás natural existente na Bacia de Campos e na Foz do Amazonas, o Governo Federal firmou, em 1993, contrato com a Bolívia para a construção de um gasoduto que transportasse o insumo produzido naquele país. A construção do Gasoduto Bolívia Brasil é iniciada em 1997 e concluída em 1999.

O preço do gás e o insucesso do Programa Prioritário de Termeletricidade frustraram as expectativas iniciais. O Governo e o setores de petróleo, gás e energia voltariam várias vezes à mesa para rediscutir as estratégias de introdução do insumo na matriz energética.

Privatização

Dois episódios diretamente ligados à Petrobras marcam o Governo de Fernando Collor: a reforma administrativa que visava o enxugamento da máquina do Estado e a contenção dos gastos públicos – que determinaria a extinção da Interbras e da Petromisa e a alienação dos ativos da Petroquisa – além de denúncias de operações lesivas à companhia.

O ex-presidente da Petrobras, Luis Octávio da Motta Veiga, confirmou, em depoimento ao STF, ter sido pressionado por Paulo César Farias por um empréstimo em dinheiro para a Vasp no valor de US$ 40 milhões. Depois que a Petrobras negou o empréstimo, Motta Veiga teve dificuldades no relacionamento com a área econômica do Governo, principalmente em relação a reajuste de preços de combustíveis, até que pediu exoneração. De acordo com o ex-presidente Fernando Collor, a acusação não passava de uma retaliação de Motta Veiga, por ter sido demitido por insubordinação.
Logo nos primeiros meses de governo, o decreto 99.226 extingue a Interbras, a Petromisa e o Conselho Nacional do Petróleo. “Não havia nenhuma razão para fechar a Interbras, era uma subsidiária lucrativa. O governo, através da Petrobras, apoiou os exportadores brasileiros para conquistar mercado no Oriente Médio, principalmente em países exportadores de petróleo: como éramos grandes compradores de petróleo, éramos bem recebidos. Fizemos várias operações de troca daquilo que temos condições de produzir e exportar. Hoje, se a Interbras continuasse existindo, na reconstrução do Iraque, a Petrobras já estaria lá, com as empresas de engenharia”, avalia Ueki.

“Entre as diretrizes do Consenso de Washington estava a desnacionalização do petróleo, tudo isso que hoje está acontecendo e que virou a diretriz básica do Plano Collor. A linha do neoliberalismo veio dessa rodada. O Plano Real foi a retomada do Plano Collor”, conta Fernando Siqueira.

A alienação das participações societárias da Petroquisa nas empresas petroquímicas, promovida nos anos seguintes, abriu espaço para o emaranhado que marcou o setor: empresas de segunda geração foram as principais compradoras dos ativos, de forma a garantir o suprimento de matérias-primas. Como conseqüência, o inevitável conflito causado pela presença de grupos concorrentes, com interesses distintos, no capital de uma mesma central petroquímica.

A brusca redução de barreiras aduaneiras numa época de recessão mundial também comprometeu a rentabilidade da indústria nacional.

Até que, no final da década, começaram os movimentos dos players por uma reestruturação do setor petroquímico, visando a integração entre a primeira e a segunda geração, com controle restrito a, no máximo, dois grupos privados.

Petrobras e petroleiros

A história dos trabalhadores da Petrobras foi marcada por intensa atividade – haja visto as mobilizações da Aepet, Associação dos Engenheiros da Petrobras – e dos vários sindicatos dos petroleiros.
Um dos marcos na história da Petrobras e dos sindicatos foi a greve desencadeada em 1983 pelos trabalhadores da Replan – que contou com a adesão dos petroleiros da Rlam e de cerca de 50 mil metalúrgicos do ABC. A comissão de negociação contou até com o então dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos, Luis Inácio Lula da Silva.

No dia 16 de junho, 35 entidades sindicais e associações de funcionários públicos aprovam o estado de greve, em protesto contra o Decreto-Lei 2.025, que extinguia todos os benefícios dos empregados das empresas estatais.

No dia 29 de junho, o presidente João Batista Fiqueiredo, assinou um novo decreto, nº 2.036, atacando diretamente os direitos dos funcionários das estatais, acabando com o abono de férias, as promoções, os auxílios alimentação e transporte, o salário adicional anual e a participação nos lucros. Menos de uma semana depois, os trabalhadores do turno da noite da Replan entram em greve. A greve se alastrou, atingindo a Rlam. Os metalúrgicos, químicos e trabalhadores em transporte do ABC paulista também param.

Era o estopim para a primeira greve geral no Brasil decretada após o golpe militar de 1964, e que parou o país no dia 21 de julho de 1983. Ainda em 1986 e em 1989, vários trabalhadores da Petrobras aderem às greves gerais convocadas pela CUT.

Em 1991, os petroleiros voltam a fazer greve – desta vez de 24 dias, exigindo da Petrobras a reposição das perdas e reajustes salariais. Três anos depois, a categoria entraria em greve duas vezes, com adesão em todo o país.

A greve nacional dos petroleiros, em maio de 1995, representou a luta contra a quebra do monopólio. O movimento durou 32 dias – o mais longo da história do sindicalismo brasileiro.

Os petroleiros iniciaram a greve em 3 de maio, junto com os trabalhadores das outras empresas estatais e os funcionários públicos, em um movimento unificado contra o arrocho salarial e as reformas constitucionais impostas pelo Governo Federal. O movimento unificado foi perdendo força e os petroleiros acabaram sustentando a greve sozinhos, com mais de 90% da categoria de braços cruzados.

Na Bacia de Campos, um poço de petróleo era fechado a cada 12 horas, reduzindo-se gradativamente a produção para a indústria, mas preservando o abastecimento à população. No dia 9 de maio, o TST julgou a greve abusiva. O Governo joga duro com os grevistas – que não conseguem apoio da opinião pública. Tropas do exército são mobilizadas para garantir a segurança nas refinarias.

A direção da Petrobras cortou o salário dos grevistas. Novamente o TST julgou a greve abusiva, no dia 26 de maio. O Tribunal impôs multas milionárias aos sindicatos e à FUP – R$ 100 mil diários para cada dia não trabalhado. A Petrobras demitiu 59 petroleiros. Uma frente parlamentar foi formada com o compromisso de intermediar a reabertura das negociações com a Petrobras, em nome do Congresso. No dia seguinte, a FUP indicou o fim da greve.

Anos 90
1990
• Iraque invade o Kwait. Nações unidas impõem
  embargo ao Iraque

1992
• tecnologia Petrobras é reconhecida pela OTC
• setor prtroquímico começa a ser privatizado

1995
• a mais longa greve da história da Petrobras dura 32 dias

1996
• descoberta do campo de Roncador, um dos gigantes da
  Bacia de Campos

1997
• Brasil supera a produção de 1 milhão de barris/dia
• Lei 9478flexibiliza monopólio estatal do petróleo

1998
• instalada a Agência Nacional do Petróleo

1999
• criada a ONIP e o CTPetro
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