MATÉRIA DE CAPA – Edição 252 - Setembro de 2003
Crescimento a reboque da Petrobras
por Flávio Bosco
O Procap buscou viabilizar a produção em lâminas d’água superiores a 1000 metros

A recessão econômica afetava os primeiros anos da década de 80. A alta internacional dos juros era resultante da crise de petróleo em 1979, e a alta dependência de petróleo (85%) do País o deixou ainda mais vulnerável aos condicionantes externos.

Já em 1979, o presidente João Batista Figueiredo advertira a necessidade de adotar “uma nova economia de guerra”, anunciando o congelamento das importações de petróleo e a criação do Conselho Nacional de Energia, presidido por Aureliano Chaves e composto por oito ministros, os presidentes do Conselho Nacional de Petróleo, da Petrobras e da Eletrobrás e “três cidadãos de reputação ilibada e notório saber no campo da energia”.

A partir daí, o governo intensificou os programas de pesquisa e investimento em fontes energéticas alternativas – especialmente o Proálcool – e adotou uma agressiva política de exploração offshore, conseguindo dobrar a produção de óleo cru de 160 mil para 320 mil barris diários, entre 1979 e 1982. A produção offshore superava a produção dos campos em terra e, em 1984, a produção brasileira se iguala à importação, com meio milhão de barris diários.

Uma recessão geral tomava conta da economia internacional por cerca de cinco anos. Países como o Brasil, que tinham dívidas em petrodólares, foram à bancarrota. O ponto positivo foi o começo da busca por fontes alternativas de energia. Em 1985, a Arábia Saudita, atingida pelo esfriamento econômico geral, aumentou a produção de petróleo e o preço do produto caiu pela metade.

A persistência dos preços elevados até 1984 implicou a entrada de novos produtores e uma etapa de superprodução cujo ponto crítico foi o ano de 1986, no qual os preços caíram abaixo do patamar de US$ 10 o barril.

Ainda no início da década de 1980, duas mudanças estruturais na economia norte-americana (desregulamentação) e do Reino Unido (privatização) influenciaram as transformações porque passaram a economia mundial os anos 90. Nos EUA, o governo Reagan promove a desregulamentação da economia e ao mesmo tempo eleva as taxas de juros com o intuito de conter a escalada inflacionária provocada pela mudança no patamar dos preços do petróleo ocorrido nos anos 70. Isso fez com que a moeda referencial para empréstimo internacional ficasse mais cara; o resultado foi o encarecimento das linhas de crédito internacional. Os países em desenvolvimento, principais tomadores de recursos, passaram por aquilo que se convencionou chamar “Crise da Dívida Externa”. Esse fato provocou um desaquecimento na economia global, iniciando um movimento de queda no preço do petróleo.

O marco inicial dos processos de desregulamentação e privatização de empresas petrolíferas foi a venda, em 1979, no governo Thatcher, de 5% de participação na British Petroleum, uma das dez maiores empresas de petróleo do mundo, cujo processo de privatização foi concluído em 1987. Entre os principais fatores que motivaram mudanças em quase todas as empresas de petróleo – estatais, regionais ou internacionais – estão o crescimento da globalização, o declínio do poder da Opep no controle dos preços internacionais do hidrocarboneto e a criação de mercados futuros de petróleo através da Bolsa de Nova York (Nymex) e da de Londres (IPE). “A década de 60 foi marcada pela estatização das empresas de petróleo. Hoje em dia, o mundo está aberto às empresas privadas”, comenta Álvaro Teixeira, secretário-executivo do IBP.

Além disso, houve um segundo efeito sobre o preço, provocado pelo surgimento de tecnologias que permitiram reduzir custos e ampliar os horizontes de produção das reservas.

Campo de Urucu: um marco histórico das atividades da Petrobras na Amazônia

Esse período exibiu o revés do anterior, ou seja, o “Contra-Choque do Petróleo”, que significou uma queda acentuada nos preços do petróleo. A partir de então, os preços internacionais deixaram de ser administrados pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo – Opep, iniciando a chamada “Era do Consumidor”.

No Brasil, após 21 anos de regime militar, a Nova República nascia em março de 1985. Para superar as dificuldades econômicas, o novo governo iniciou sua administração anunciando medidas de austeridade fiscal e monetária, algumas delas diretamente ligadas às atividades da Petrobras – como o congelamento de preços de derivados de petróleo.

Essa crise econômica mundial provocou o engavetamento do projeto da construção de um pólo petroquímico em Itaguaí / RJ. O terceiro pólo petroquímico do país acabara de entrar em operação em Triunfo / RS, em 1982.

A Petrobras, no entanto, seguia investindo firme. Com as bruscas elevações de preços do petróleo no mercado internacional, as despesas do país chegaram à casa dos US$ 10 bilhões, em 1981. Os investimentos em exploração e produção contribuiriam para reduzir a dependência externa. Nesses anos, a companhia encomendou US$ 13 bilhões em máquinas e equipamentos – 85% às empresas nacionais.

Na área de refino, as unidades passavam por uma adaptação para atender à evolução do consumo de derivados. Surge então, o programa “fundo de barril”, visando transformar os excedentes de óleo combustível em derivados mais nobres. Dessa década, consta a entrada em operação da última refinaria construída pela Petrobras – a Revap, em São José dos Campos, em 1980.

Em mar, o desafio era produzir em lâminas d’água cada vez maiores. É criado, em 1986, o Programa de Inovação Tecnológica e Desenvolvimento Avançado em Águas Profundas – Procap para viabilizar a produção em lâminas d’água superiores a 1000 metros. Nesse ano, é consolidado o pioneirismo na exploração em lâminas superiores a 1.200 metros e a produção a cerca de 400 metros – o que constituía recorde mundial. “Era um projeto extremamente ambicioso pois, na época explorávamos petróleo na faixa dos 150 metros, e queríamos chegar aos 1.000 metros. Foi um sucesso e a Petrobras, hoje, é tida como líder nessa área”, conta Armando Guedes Coelho.

Dois anos depois a Petrobras batia seu próprio recorde, com a entrada em produção do campo de Marimbá, em lâmina d’água de 492 metros. “Isso foi um pioneirismo dos engenheiros do Departamento de Produção. Fomos agregando valor tecnológico e atingimos a vanguarda em águas profundas”, comenta o presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras, Fernando Siqueira.

Em 1985, navios de posicionamento dinâmico permitiram a perfuração em cotas batimétricas cada vez maiores e logo, nos primeiros poços, foram descobertos os gigantes Albacora (400 a 1.000 metros) e Marlim (700 a 1.200 metros), com os turbiditos se afirmando como os principais reservatórios das bacias da Plataforma Continental Brasileira.

Naquele ano é realizada a primeira completação submarina sem a utilização de mergulho humano, em lâmina d’água de 383 metros – mergulho comercial não ultrapassa 300 metros. Com a acelerada informatização da Petrobras, ganhou força a idéia de fortalecer o processamento sísmico doméstico, inclusive com a compra de supercomputadores. A companhia já utiliza a tecnologia da sísmica tridimensional de maneira rotineira, otimizando tempo e custos desde a descoberta até o desenvolvimento dos campos.

A exploração na Bacia de Campos foi caracterizada pelo aumento substancial da aquisição sísmica 3D, com a utilização de navios de fontes e cabos múltiplos que, conjuntamente com a interpretação sísmica interativa, otimizou a delimitação dos campos descobertos e os estudos de reservatório. Importantes descobertas de óleo em carbonatos são noticiados na Bacia de Santos.

A indústria local deu um “salto de modernidade” para atender aos desafios impostos pelas mais diversas variáveis ligadas à construção, instalação e operação. Em pouco tempo, a indústria nacional recuperava a participação nas encomendas da Petrobras – chegando ao recorde histórico de 93% das compras da companhia serem realizadas no país, ao final da década de 1980.

Em terra, boas notícias chegavam da Amazônia: em 1988 entrava em operação o campo de Urucu – um marco histórico das atividades da Petrobras na região. A descoberta respondeu a uma antiga indagação, mostrando, afinal, que havia petróleo comercial, de excelente qualidade, e associado ao gás, na Amazônia. Para escoar esse óleo, produzido em pleno coração da Amazônia, foi necessário montar um estrutura especial, a cargo do Dtnest, numa região sem estradas, em que os rios eram praticamente desconhecidos até a chegada da Petrobras na região.

O projeto de desenvolvimento de Urucu foi condicionado, assim, pelas limitações de escoamento, conduzindo a Petrobras a fazer, na prática, a história da navegação dos rios Tefé e Urucu. Cerca de 3 mil barris diários de óleo eram extraídos de três poços e processados numa pequena estação coletora. Foi construído um oleoduto de cinco quilômetros, entre essa estação e o rio Urucu. Balsas de pequeno porte levavam o óleo até a cidade de Coari, às margens do rio Solimões. Ali se realizava o transbordo para balsas maiores, que transportavam o óleo até a Refinaria de Manaus – Reman. Nessa etapa, o gás natural produzido associado era queimado.

No campo internacional, a Petrobras expandiu suas atividades para outros cenários: Mar do Norte, Golfo do México, Colômbia, Equador e Argentina.

Ao final da década a produção diária atingiu a casa dos 675 mil barris, tornando-se o terceiro maior produtor da América Latina, atrás apenas de México e Venezuela – a Petrobras alcançara a meta diária de produção de 500 mil barris antes do prazo estabelecido.

Por esta época, o Próálcool começa a ser questionado. O modelo energético que vinha sendo favorável enquanto os preços de petróleo mantinham-se elevados, começa a ser colocado em cheque. Quando a oferta de petróleo em todo o mundo tornou-se mais ampla e, por conseqüência, os preços do produto começaram a cair, mantendo-se até os dias atuais num nível significativamente mais baixo, deu-se a derrocada da produção alcooleira no Brasil, que foi reforçada ainda pela falta do combustível no mercado interno. Assim, tornou-se evidente que o Pró-álcool fora erigido como um portentoso edifício sobre uma base frágil pois os custos de produção envolvidos eram elevados e os produtos oferecidos são poucos.

Nos últimos seis anos da década, a Petrobras passa pela mão de seis diferentes presidentes.

A questão ambiental

A década de 1980 é marcada também por acidentes – entre os quais a explosão da Piper Alpha, no Mar do Norte, deixando 167 mortos, e o acidente com o petroleiro Exxon Valdez – símbolo internacional de agressão ambiental.

Também o Brasil viu a “bruxa” rondar suas atividades em agosto de 1984, quando 37 trabalhadores morrem afogados e outros 17 ficam feridos na explosão de uma plataforma da Petrobras na Bacia de Campos. Em Cubatão, o vazamento de 700 mil litros de gasolina de um oleoduto provoca um incêndio na favela da Vila Socó, com a morte de 93 pessoas.

O ano de 1988 registra, na verdade, vários acidentes, como o incêndio que destruiu a plataforma de Enchova, na Bacia de Campos.

Na indústria química, um vazamento de gás na unidade da Union Carbide em Bhopal, Índia, acelera as decisões das multinacionais em implantar a cultura de responsabilidade. No Canadá surge então o “Responsible Care”, que no Brasil recebe o nome de “Atuação Responsável”.

Já no final dos anos 80 o apelo ecológico começa a tomar conta de empresas petrolíferas e o Brasil se destaca pela Petrobras dedicar grande quantidade de recursos ao treinamento e à educação ambiental. Em São Sebastião / SP, é criado o centro de combate à poluição no mar.

Recursos também são direcionados ao desenvolvimento de tecnologias específicas de proteção ambiental e melhoria da qualidade dos combustíveis. Toda a sua gasolina é isenta de chumbo tetraetila.

No final da década de 1980, a Petrobras pulveriza os excedentes de suas ações. O esforço de maior transparência foi obtido, principalmente, através da adequação do balanço da empresa às normas contábeis norte-americanas, preparando a companhia brasileira para o lançamento de novos tipos de papéis no mercado de capitais norte-americano. A venda de 34% dos 85% de ações ordinárias que o governo detém na companhia marcam a entrada da Petrobras na década de 90.

Anos 80
1980
• inauguração da Revap

1981
• instalação dos sistemas de produção antecipada na Bacia de Campos

1982
• entra em operação terceiro pólo petroquímico do país

1983
• greve desencadeada na replan e na Rlan marca
  história da Petrobras
• Nymex lança os contatos futuros para óleo cru

1984
• descoberta do campo gigante de Albacora,
  na Bacia de Campos

1985
• descoberta do campo de Marlim, na Bacia de Campos

1986
• lançamento da Procap
• descoberta de petróleo na Amazônia

1988
• constituição decreta fim dos contratos de risco
Ed. 252 - setembro de 2003
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